Aproxima-se o dia dos pais, data deveria ser comemorada entre pais e filhos. Infelizmente, essa não é a realidade de muitos pais que desde a separação de suas ex esposas ou companheiras, não conseguem conviver com os seus filhos.
Em virtude disso foi criado o movimento PAIS POR JUSTIÇA, que reúne pais e mães que lutam, mostram sua indignação, exteriorizam a vontade de conviver com os seus filhos.
Muitos genitores utilizam alienação parental, criando falsas memórias nas crianças. Em alguns casos a separação entre pai e filho é irremediável. Existem situações em que um dos genitores acusa o outro de abusos infundados. Essas falsas acusações causam a todos os envolvidos dores, constrangimentos, exposições desnecessárias.
O movimento PAI POR JUSTIÇA pretende promover manifestação no Rio de Janeiro
Dia: 09 de agosto (domingo)
Horário: A partir das 08 da manhã
Local: Centro do Rio (por questões estratégicas, o local exato será informado de acordo com a proximidade do evento.)
Reunião no RJ, próxima terça-feira, às 19horas.
Maiores informações façam contato com o movimento PAIS POR JUSTIÇA
www.paisporjustica.comwww.paisporjustica.blogspot.com
quarta-feira, 24 de junho de 2009
terça-feira, 23 de junho de 2009
Notícia Crime é o primeiro passo em desobediência de regulamentação de visitas
"Tanto polêmico quanto controvertido é a impunidade do genitor que detém a guarda dos filhos menores, quando esse não cumpre com o inteiro teor da obrigação judicial, no tocante a promover os meios necessários para que seja exercido o convívio familiar entre os filhos e o genitor não convivente.
Comumente a vítima do sistema, se torna impotente e desorientada quando usurpado nos seus direitos, o deixando sem iniciativa.
A situação piora ainda mais, quando procurando registrar a queixa na Delegacia Policial, é "levado a crer" pelo escrivão de plantão, não ser da sua competência o ocorrido, sugerindo que procure a Vara de Família no primeiro dia útil.
Esta injustiça não pode continuar com pais que são participativos, são bons educadores, e cumpridores dos seus deveres.
É chegada a hora de algo ser feito para nossa crianças que são privadas do convívo familiar com seus pais, e são incapazes de se fazer ouvir, devida a tenra idade.
O arbítrio provocado pelo “poder excessivo” que possui o detentor da guarda exclusiva dos filhos, só poderá ser combatido através do sistemático registro na delegacia e posterior execução do acordo judicial.
Portanto, elaboramos um modelo de Notícia Crime, para facilitar o registro deste Boletim de Ocorrência, condição sine qua non para que seja lavrado o termo circunstanciado de desobediência a ordem judicial no juizado criminal de pequenas causas, e posteriormente, executada a sentença de regulamentação de visitas por dependência ao processo de separação e ainda uma possível ação por danos morais e materiais em face do causador dos danos.
Nem sempre, apesar de todas as jurisprudências favoráveis anexadas, este modelo se mostrará eficiente a ponto de ser considerado um direito líquido e certo, vindo a depender muito do entendimento do Ministério Público local e do judiciário, a sua eficácia.
O Pai Legal www.pailegal.net e APASE www.apase.com.br entende que é impossível recuperar a infância perdida de uma criança, portanto, corrobora com as associações de defesa de direito familiar, (ver declarações abaixo), e entende que é um erro irremediável o genitor que detém a guarda exclusiva dos filhos impedir ou dificultar a visitação dos mesmos pelo outro progenitor.
"A Associação Brasileira Pais para Sempre” www.paisparasempre.com.br considera crime desobediência o guardião impedir o direito de visitas ao filho e o convívio parental. Antes de qualquer coisa, é uma violação ao Direito Natural, sendo esta postura uma grave violação aos direitos das crianças como pessoa.”.
"A ParticiPais" www.participais.com.br apóia o entendimento de que é crime a desobediência a regulamentação de visita, e apesar de ter conhecimento de que essa não é uma posição majoritária no Brasil, acredita que todos os pais e mães deveriam ,ao ser vítima do descumprimento da ordem judicial, fazer um boletim de ocorrência, desta forma seria suscitado o questionamento do que é certo e errado, fazendo com que o tema controvertido viesse a ser discutido, o que antes, nem sequer poderia ser cogitado.”
Nós da equipe "terapia de família" www.terapiadefamilia.org , apoiamos o entendimento que é crime de desobediência o genitor que detém a guarda das crianças em caso de separação ou divorcio,negar o provimento do direito de visita.
Ministério Público de Florianópolis afirma que o registro de ocorrência é o primeiro passo a ser dado pelo genitor(a) que for impedido, sem justa causa, de visitar a criança. (Colaboração Apase nacional) Diário Catarinense do dias 27 de outubro de 2002
O que os pais parecem esquecer, é que muito mais do que um direito dos adultos de ver seus filhos, o que precisa ser cumprido é o direito da criança de manter contato com o genitor (pai ou mãe) que não está com a guarda.
As visitas devem ser reguladas, se levando em conta a idade e a situação específica de cada criança ou adolescente de acordo com as suas necessidades.
A visita, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, é considerada um direito do menor. "'É importante para o seu desenvolvimento social e afetivo", diz o procurador José Francisco Hoepers, coordenador do Centro das Promotorias da Infância e Juventude do Ministério Público de Santa Catarina.
"A criança tem o direito de crescer na companhia dos dois pais, tendo contato com ambos, o que é muito importante para o seu desenvolvimento", reitera o procurador.
Primeiro passo é registrar boletim de ocorrência
A promotora de Justiça Henriqueta Scharf Vieira, da área da Infância e da Juventude de Florianópolis, informa que no caso do pai ( ou da mãe ), que não está com a guarda dos filhos ser impedido pelo ex-cônjuge de visitar a criança, a pessoa prejudicada deve tomar algumas medidas para assegurar seu direito de ver o filho.
O primeiro passo, segundo a promotora, é registrar um boletim de ocorrência em qualquer delegacia de polícia. Em seguida, deve procurar a Vara de Família da Comarca onde foi vinculado o acordo da guarda da criança.
A lei diz que as visitas devem ser regulares e flexíveis. Regulares para manter segurança e confiança das crianças, e flexíveis para não privar os filhos de eventos sociais que lhes interessem.
Acertado o esquema de visitas, ele deve ser cumprido regularmente. Dependendo das circunstâncias, as visitas podem ser ampliadas, reduzidas ou suspensas temporária ou definitivamente. São os casos nos quais a visita represente riscos à integridade física e mental das crianças. Diário Catarinense, 27 de outubro de 2002 folha 42.
Conceito e modelo de Notícia Crime
Notícia crime é um requerimento inicial, nos crimes de ação penal pública incondicionada, onde se pede a instauração de um inquérito policial, ou a lavratura do termo circunstanciado nos crimes da competência do Juizado Especial Criminal, conforme determina a última parte do inciso II do art.5º do Código de Processo Penal §5º do mesmo artigo. O crime de desobediência, previsto no art 330, do Código Penal Brasileiro, é um crime de ação penal pública incondicionada, portanto, passível de ser noticiado através de Notícia Crime. No caso específico da desobediência a decisão judicial, que é crime da competência do JEC, o advogado da vítima deverá oferecer Notícia Crime objetivando a lavratura de termo circunstanciado.
A Notícia crime pode ser dirigida ao Delegado, ao Juiz, ou ao Procurador de Justiça (no caso o curador de menores).
A Notícia Crime não sendo aceita pelo Delegado, a medida cabível é o agravo administrativo (art.5º §2 do CPP), dirigido ao Procurador geral da Justiça, devendo constar a mesma, anexada, a cópia do despacho do Delegado que nega a lavração do termo circunstanciado, e o respectivo pedido ao procurador que ordene ao Delegado que a mesma seja feita. "
Comumente a vítima do sistema, se torna impotente e desorientada quando usurpado nos seus direitos, o deixando sem iniciativa.
A situação piora ainda mais, quando procurando registrar a queixa na Delegacia Policial, é "levado a crer" pelo escrivão de plantão, não ser da sua competência o ocorrido, sugerindo que procure a Vara de Família no primeiro dia útil.
Esta injustiça não pode continuar com pais que são participativos, são bons educadores, e cumpridores dos seus deveres.
É chegada a hora de algo ser feito para nossa crianças que são privadas do convívo familiar com seus pais, e são incapazes de se fazer ouvir, devida a tenra idade.
O arbítrio provocado pelo “poder excessivo” que possui o detentor da guarda exclusiva dos filhos, só poderá ser combatido através do sistemático registro na delegacia e posterior execução do acordo judicial.
Portanto, elaboramos um modelo de Notícia Crime, para facilitar o registro deste Boletim de Ocorrência, condição sine qua non para que seja lavrado o termo circunstanciado de desobediência a ordem judicial no juizado criminal de pequenas causas, e posteriormente, executada a sentença de regulamentação de visitas por dependência ao processo de separação e ainda uma possível ação por danos morais e materiais em face do causador dos danos.
Nem sempre, apesar de todas as jurisprudências favoráveis anexadas, este modelo se mostrará eficiente a ponto de ser considerado um direito líquido e certo, vindo a depender muito do entendimento do Ministério Público local e do judiciário, a sua eficácia.
O Pai Legal www.pailegal.net e APASE www.apase.com.br entende que é impossível recuperar a infância perdida de uma criança, portanto, corrobora com as associações de defesa de direito familiar, (ver declarações abaixo), e entende que é um erro irremediável o genitor que detém a guarda exclusiva dos filhos impedir ou dificultar a visitação dos mesmos pelo outro progenitor.
"A Associação Brasileira Pais para Sempre” www.paisparasempre.com.br considera crime desobediência o guardião impedir o direito de visitas ao filho e o convívio parental. Antes de qualquer coisa, é uma violação ao Direito Natural, sendo esta postura uma grave violação aos direitos das crianças como pessoa.”.
"A ParticiPais" www.participais.com.br apóia o entendimento de que é crime a desobediência a regulamentação de visita, e apesar de ter conhecimento de que essa não é uma posição majoritária no Brasil, acredita que todos os pais e mães deveriam ,ao ser vítima do descumprimento da ordem judicial, fazer um boletim de ocorrência, desta forma seria suscitado o questionamento do que é certo e errado, fazendo com que o tema controvertido viesse a ser discutido, o que antes, nem sequer poderia ser cogitado.”
Nós da equipe "terapia de família" www.terapiadefamilia.org , apoiamos o entendimento que é crime de desobediência o genitor que detém a guarda das crianças em caso de separação ou divorcio,negar o provimento do direito de visita.
Ministério Público de Florianópolis afirma que o registro de ocorrência é o primeiro passo a ser dado pelo genitor(a) que for impedido, sem justa causa, de visitar a criança. (Colaboração Apase nacional) Diário Catarinense do dias 27 de outubro de 2002
O que os pais parecem esquecer, é que muito mais do que um direito dos adultos de ver seus filhos, o que precisa ser cumprido é o direito da criança de manter contato com o genitor (pai ou mãe) que não está com a guarda.
As visitas devem ser reguladas, se levando em conta a idade e a situação específica de cada criança ou adolescente de acordo com as suas necessidades.
A visita, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, é considerada um direito do menor. "'É importante para o seu desenvolvimento social e afetivo", diz o procurador José Francisco Hoepers, coordenador do Centro das Promotorias da Infância e Juventude do Ministério Público de Santa Catarina.
"A criança tem o direito de crescer na companhia dos dois pais, tendo contato com ambos, o que é muito importante para o seu desenvolvimento", reitera o procurador.
Primeiro passo é registrar boletim de ocorrência
A promotora de Justiça Henriqueta Scharf Vieira, da área da Infância e da Juventude de Florianópolis, informa que no caso do pai ( ou da mãe ), que não está com a guarda dos filhos ser impedido pelo ex-cônjuge de visitar a criança, a pessoa prejudicada deve tomar algumas medidas para assegurar seu direito de ver o filho.
O primeiro passo, segundo a promotora, é registrar um boletim de ocorrência em qualquer delegacia de polícia. Em seguida, deve procurar a Vara de Família da Comarca onde foi vinculado o acordo da guarda da criança.
A lei diz que as visitas devem ser regulares e flexíveis. Regulares para manter segurança e confiança das crianças, e flexíveis para não privar os filhos de eventos sociais que lhes interessem.
Acertado o esquema de visitas, ele deve ser cumprido regularmente. Dependendo das circunstâncias, as visitas podem ser ampliadas, reduzidas ou suspensas temporária ou definitivamente. São os casos nos quais a visita represente riscos à integridade física e mental das crianças. Diário Catarinense, 27 de outubro de 2002 folha 42.
Conceito e modelo de Notícia Crime
Notícia crime é um requerimento inicial, nos crimes de ação penal pública incondicionada, onde se pede a instauração de um inquérito policial, ou a lavratura do termo circunstanciado nos crimes da competência do Juizado Especial Criminal, conforme determina a última parte do inciso II do art.5º do Código de Processo Penal §5º do mesmo artigo. O crime de desobediência, previsto no art 330, do Código Penal Brasileiro, é um crime de ação penal pública incondicionada, portanto, passível de ser noticiado através de Notícia Crime. No caso específico da desobediência a decisão judicial, que é crime da competência do JEC, o advogado da vítima deverá oferecer Notícia Crime objetivando a lavratura de termo circunstanciado.
A Notícia crime pode ser dirigida ao Delegado, ao Juiz, ou ao Procurador de Justiça (no caso o curador de menores).
A Notícia Crime não sendo aceita pelo Delegado, a medida cabível é o agravo administrativo (art.5º §2 do CPP), dirigido ao Procurador geral da Justiça, devendo constar a mesma, anexada, a cópia do despacho do Delegado que nega a lavração do termo circunstanciado, e o respectivo pedido ao procurador que ordene ao Delegado que a mesma seja feita. "
Conrado Paulino Rosa
Palestras do professor Conrado Paulino de Rosa(shows), sobre mediação familiar e direito de familia O prof. Conrado Paulino Rosa, que segundo uma amiga, não profere palestras, da shows, esclarece em dois videos, o funcionamento da mediação em conflitos familiares.No terceiro video ele discorre de forma clara sobre direito de familia.Vale a pena observar a leveza com que esse profissional aborda temas tão complexos.Mediação familiar, 1a partehttp://www.youtube.com/watch?v=9OoRwhYRql8Mediação familiar, 2a partehttp://www.youtube.com/watch?v=kdOqoDv99CQDireito de familiahttp://www.youtube.com/watch?v=QGEITXVzmog
Marcadores: Conrado Paulino, Direito de familia, Mediação, Terezinha Fleury
Marcadores: Conrado Paulino, Direito de familia, Mediação, Terezinha Fleury
Abandono Afetivo e dignidade da pessoa
"
Sumário: Introdução. 1. A formação da pessoa. 2. A proteção do interesse da criança. 2.1. Apontamentos sobre a guarda compartilhada. 3. A valoração do afeto na ciência jurídica. 3.1. O afeto nos Tribunais. 4. Responsabilidade civil pelo desamor? Considerações finais. Referências.
Está havendo maior preocupação com o afeto nas relações do direito de família, tanto que existem casos batendo às portas do Judiciário para o estabelecimento de indenizações, tendo como fundamento a ausência de amor de um dos pais, no desenvolvimento dos filhos.
No presente estudo, sem o intuito de esgotar a matéria, mas com a preocupação de se estabelecer debate sobre a relevância do amor nos contatos familiares, são traçadas algumas orientações acerca do amor na constituição da pessoa, em especial na seara da família.
Neste objetivo, são traçadas considerações sobre o instituto da guarda, em especial da guarda compartilhada, para a estruturação da criança na moderna formação familiar, que não corresponde à família patriarcal. Assim, faz-se uma análise do afeto na ciência jurídica e como está sendo tratado nos Tribunais, com a citação de alguns julgados fundamentados no elemento afetivo.
Por derradeiro, procede-se a uma crítica da inserção da matéria no ramo da responsabilidade civil, argumentando que o direito de família e conseqüentemente o juízo da família tem mais aptidão para o julgamento de tais casos, chamando atenção ainda, para o perigo em se valorar o amor como simples moeda, sem a preocupação com as causas do desamor, pois para a constituição da pessoa o amor é tão importante, como a vida.
1. A formação da pessoa
O ser humano, ao longo de sua existência, conseguiu várias e memoráveis façanhas, algumas abomináveis, embasadas apenas no egoísmo e no desejo individual de ganho, outras tantas, dignas de entes superiores, como exemplo, as facilidades de transporte e comunicação, a cura de doenças endêmicas, a descoberta da origem genética. Entretanto, nessa busca incessante pelo aperfeiçoamento, parece ter esquecido de se conhecer, compreender sua real finalidade como existência humana, pois, saiu à procura de algo melhor e talvez tenha perdido de se conhecer e se formar como pessoa, um organismo vivo que sente e racionaliza, diferentemente de outros tantos seres que têm vivência singela e irracional.
Apesar disso, para Ernst Cassirer, “o homem é criatura que está em constante busca de si mesmo – uma criatura que, em todos os momentos de sua existência, deve examinar e escrutinar as condições de sua existência”, sendo que esta análise, “consiste o real valor da vida humana”, pois somente o ser humano “pode dar uma resposta racional” de tal forma que “seu conhecimento” e “a sua moralidade estão compreendidos nesse círculo”, “por essa faculdade de dar uma resposta a si mesmo e aos outros, que o homem se torna um ser ‘responsável’, um sujeito moral” (CASSIRER, 2005, p. 17).
A despeito de todos os esforços do irracionalismo moderno, essa definição de homem como um animal rationale não perdeu sua força. A racionalidade é de fato um traço inerente a todas as atividades humanas. A própria mitologia não é uma massa grosseira de superstições ou ilusões crassas. Não é meramente caótica, pois possui uma forma sistemática ou conceitual. Mas, por outro lado, seria impossível caracterizar a estrutura do mito como racional. A linguagem foi com freqüência identificada à razão, ou à própria fonte da razão. Mas é fácil perceber que essa definição não consegue cobrir todo o campo. É uma pars pro toto; oferece-nos uma parte pelo todo. Isso porque, lado a lado com a linguagem conceitual, existe uma linguagem emocional; lado a lado com a linguagem científica ou lógica, existe uma linguagem da imaginação poética. Primariamente, a linguagem não exprime pensamentos ou idéias, mas sentimentos e afetos. E até mesmo uma religião “nos limites da razão pura”, tal como concebida e elaborada por Kant, não passa de mera abstração (CASSIRER, 2005, p. 49).
Dessa forma, como afirma Rollo May, “o homem difere completamente da natureza, uma vez que possui consciência de si mesmo; seu senso de individualidade o distingue do restante dos seres animados e inanimados”, inclusive da própria natureza, por isso “a necessidade de autoconsciência”, ou seja, de
(...) um self vigoroso – isto é, um forte senso de identidade pessoal – para relacionar-se plenamente com a natureza sem ser por ela absorvido. Pois sentir verdadeiramente seu silêncio e o caráter inorgânico acarreta considerável ameaça. Se alguém se encontrar num alto promotório, por exemplo, contemplando o mar em violenta agitação e compreender, de maneira plena e realista, que o oceano jamais “tem uma lágrima pela dor alheia, nem se importa com o que os outros pensem”, e que sua vida poderia ser engolida com uma alteração infinitesimal para aquele tremendo movimento químico da criação, a pessoa se sentiria ameaçada. Ou se alguém se entregar à sensação das distâncias no pico de uma montanha e entrar em empatia com as altitudes e os abismos, compreendendo ao mesmo tempo que a montanha “nunca foi amiga de ninguém”, “nem prometeu o que não poderia dar”, e que ele poderia despedaçar-se no sopé rochoso sem que sua extinção como pessoa humana trouxesse a menor alteração às paredes de granito, então sobrevirá o medo. Esta é a profunda ameaça do “não ser”, do “nada”, que se experimenta em plena confrontação com o ser inorgânico. E recordar que “tu és pó e em pó te hás de tornar” não constitui grande conforto (MAY, 2004, p. 61-62).
Com essa descoberta, surge um grande conflito interno, pois ao mesmo tempo em que se constitui um organismo complexo, pleno de existência, tem no plano racional a sua finitude como certeza, gerando uma agitação de forças internas, que segundo Erich Fromm, devem ser “entendidas como base da ‘natureza’ do homem” (FROMM, 1992, p. 43). Mas esta descoberta da consciência, por mais que se defenda, seja um processo fácil, para a grande maioria das pessoas é extremamente penoso, sendo que para determinadas pessoas parece ser inatingível, permanecendo num estado infantil de desenvolvimento, padecendo de doenças variadas e sem causa aparente, num verdadeiro subdesenvolvimento interior.
Frente a tantas adversidades, o medo se torna companheiro fiel e persistente, e tem como causa, “a ansiedade de perder a consciência de si mesmo”, de ter a sensação de estar perdido, sem rumo e sem “nada para orientá-lo”, consumido sem saber diferenciar o seu mundo subjetivo e “o mundo objetivo que o rodeia” (MAY, 2004, p. 28), brotando desta situação um vazio profundo, fruto “da convicção pessoal de ser incapaz de agir como uma entidade, dirigir a própria vida, modificar a atitude das pessoas em relação a si mesmo, ou exercer influência sobre o mundo que nos rodeia” o que culmina com a renúncia da pessoa em “sentir e a querer” (MAY, 2004, p. 22).
Então, se converte num ser mecanicista, suprimindo sua vontade e desejo, condicionado, ainda que de forma inconsciente, seja internamente pelo medo, seja externamente pelas convenções e apelos da sociedade, que pouco a pouco também se transformam num verdadeiro fosso, aumentando ainda mais aquela sensação de debilidade e de solidão.
O ser humano não tem aptidão para viver isolado, portanto, carece da aprovação social para pertencer a um determinado grupo, necessita “ser estimado” para superar a “sensação de isolamento”, pois somente “imersa no grupo, é reabsorvida, como se voltasse ao ventre materno”, esquecendo assim, “a solidão, embora ao preço da renúncia à sua própria existência como personalidade independente.” Não consegue estabelecer os recursos internos capazes de vencer a solidão no correr dos anos, “isto é, o desenvolvimento de seus recursos interiores, da força e do senso de direção, para usá-los como base de um relacionamento significativo com os outros seres humanos.” Nesta desestrutura, a solidão passa a ser a única companheira, ainda em presença dos outros, “pois gente vazia não possui base necessária para aprender a amar” (MAY, 2005, p. 29).
É na infância que “surge no ser humano a mais importante e radical ocorrência no processo evolutivo, isto é, a autoconsciência” é a primeira oportunidade em que se encontra com o “eu”, justamente porque quando “no ventre materno, fazia parte do ‘nós original’ com sua mãe” e, próximo aos três anos de idade, a criança “toma consciência de sua liberdade”, sentindo-se no “relacionamento com os pais”, e “a si mesma como um indivíduo independente, capaz de opor-se a eles, se necessário. Esta notável ocorrência constitui o nascimento da pessoa no animal humano” (MAY, 2004, p. 69-70).
Esta mobilização é muito simples, porém, muito profunda, algo novo na frágil vida humana. Diante da dificuldade ocasionada pela profundidade, intenta o ser humano uma fuga colérica para retornar ao único lugar de segurança que conhece, pois ao nascer “é tirado de uma situação que até então era definida, tão definida quanto os instintos, e jogado numa situação indefinida, incerta e aberta. Só há certeza com relação ao passado; com relação ao futuro, a única certeza que existe é a morte” (FROMM, 2000, p. 10).
Este fluxo de expansão da vida, que se inicia nos primeiros anos e se prolonga durante toda a vida, é “diferente para cada um – acarretando crises que podem causar profunda ansiedade. Não é para admirar”, como afirma Rollo May, “que muita gente recalque o conflito e procure durante toda a vida fugir da ansiedade”, isso porque, prossegue o autor, a experimentação “de nossa própria personalidade é a convicção de que todos começamos como seres psicológicos”, apesar da impossibilidade de se provar isso de “maneira lógica”,
pois a autoconsciência era pressuposição de qualquer discussão a respeito. Haverá sempre um elemento de mistério na percepção do próprio ser-mistério significando aqui um problema cujos dados o envolvem inteiramente. Pois esta percepção é pressuposição de auto-indagação. Isto é, o simples meditar sobre a própria identidade significa que já se está empenhado na autoconsciência (MAY, 2004, p. 74).
Nos dias atuais, o ser humano está a viver uma fase de imenso vazio e esta sensação deriva “da idéia de incapacidade para fazer algo de eficaz a respeito da própria vida e do mundo em que vivemos”, tornando extremamente preocupante, pois poderá sofrer estagnação, se não evoluir em direção ao seu autoconhecimento, exatamente porque “as potencialidades transformam-se em morbidez e desespero e eventualmente em atividades destrutivas” (MAY, 2004, p. 22).
Decorre daí que muitas doenças físicas têm nascedouro também nas suas fugas em não se re-conhecer como pessoa. Assim, recorrendo-se à metáfora da folha de papel, o ser humano é como tal, de um lado o plano físico-orgânico, de outro lado, o plano psicológico. Dois lados de uma mesma pessoa, duas óticas conexas de um mesmo ente. Tanto que, se houver a perfuração de um lado do papel, entenda-se perturbação psicológica do ser humano, prontamente o outro também será afetado, pois conexos, compõem-se em partes de um todo. Com isso, é possível demonstrar que a vida da pessoa é composta de uma díade, e que, não pode ser compartimentalizada sob pena de se perder o humano em sua integração pessoal.
Sendo assim, a sua vida é marcada por constante incerteza e, ao conhecer a natureza humana, visualizar os conflitos interiores é possível obter “novas bases para a crença nos aspectos trágicos da existência humana”, de tal modo, o psicoterapeuta, ao observar todos estes embates concebidos interna e externamente em cada pessoa, acaba por adquirir “uma nova compreensão do potencial da dignidade do ser humano”, obtendo provas “de que, quando o homem finalmente aceita o fato de não poder mentir com êxito para si mesmo e resolve levar-se a sério, descobre no íntimo uma capacidade de recuperação anteriormente desconhecida e às vezes mesmo notável” (MAY, 2004, p. 65).
Qual, então, a tarefa com que nos defrontamos? As implicações são nítidas na análise acima: precisamos redescobrir no nosso íntimo novas fontes de vigor e integridade. Isto, naturalmente, será feito de acordo com a descoberta e a afirmação de valores pessoais e da sociedade onde vivemos, e que constituirão o âmago da unidade. Mas valor algum será eficaz, tanto para a pessoa como para a sociedade, quando não existe a capacidade anterior para avaliá-los, isto é, para optar e afirmar de maneira atuante os princípios segundo os quais se deseja viver. Este é um dever do indivíduo, que assim contribuirá para o lançamento das bases de uma sociedade construtiva, que eventualmente emergirá desta época agitada, como a Renascença surgiu da desintegração da Idade Média (MAY, 2004, p. 66).
O autor ainda reforça sua posição, citando observação de William James, a respeito da preocupação daqueles que pretendem um mundo mais sadio, e que “deveriam começar por si mesmos”, podendo “ir mais longe”,
observando que descobrir o centro de força em nosso íntimo é, afinal, a melhor contribuição que podemos prestar aos homens nossos irmãos. Diz-se que, na Noruega, quando um pescador vê seu barco arrastado para um redemoinho tenta lançar um remo ao abismo borbulhante. Se o conseguir, o maelstrom se acalma e ele e seu barco conseguem atravessar em segurança. Do mesmo modo, quem possui força íntima inata exerce um efeito calmante sobre as pessoas em pânico que a rodeiam. É disto que precisa a nossa sociedade – não de novas idéias e invenções, por mais importantes que sejam, não de gênios e super-homens, mas de pessoas que sejam, isto é, que possuam no íntimo uma fonte de vigor (MAY, 2004, p. 66).
Este processo de autoconhecimento ou de conhecimento interior é profundamente doloroso, pois exige do ser humano o confronto consigo, a ciência de seus limites e recursos, enfim, o encontro com suas incapacidades, seus medos e sua impotência. Tal agitação, em busca de solucionar suas contradições, próprias do ser humano, “é vital para o homem encontrar uma solução para si mesmo, elas são carregadas de toda a energia inerente a uma pessoa”, como afirma Fromm, “são no sentido amplo da palavra, ‘espirituais’, os caminhos de fuga da sobrevivência-transcendendo a experiência do nada e do caos” na tentativa de “encontrar alguma forma de união e de estrutura/orientação”, servindo “à sobrevivência mental mais do que à sobrevivência física” (FROMM, 1992, p. 44).
Neste processo, um elemento extremamente relevante para o enriquecimento pessoal, é, sem sombra de dúvida, o amor. O amor próprio, ou, para usar a expressão de Rollo May, “o amor de si mesmo”, que “é não só necessário, como um bem, além de ser indispensável ao amor ao próximo”. O autor, faz um parêntese, observando com Erich Fromm, para não se confundir este sentimento, com o egoísmo, pois a “excessiva preocupação com sua pessoa brotam, na verdade, do ódio por si mesmo”. E mais,
que amor-próprio não é a mesma coisa que egoísmo e, sim, o oposto; isto é, a pessoa que se sente intimamente indigna precisa valorizar-se pelo egoísmo, e aquela que tem uma compreensão sadia do próprio valor e que ama a si mesma possui as bases para agir com generosidade em relação ao próximo. Felizmente torna-se também claro, de uma perspectiva religiosa mais distante, que muito da autocondenação e desprezo pessoal contemporâneos são produto de problemas específicos do nosso tempo. O desprezo de Calvino pelo self estava intimamente ligado ao fato de que os indivíduos se sentiam insignificantes nos círculos industriais dos tempos modernos. E o autodesprezo do século XX resulta não só do calvinismo, mas também do nosso vazio doentio. Assim, a atual ênfase no desprezo pessoal não é representativa da tradição hebraico-cristã (MAY, 2004, p. 83).
O amor é o sentimento que preenche aquele vazio referido, aquela angústia gerada no íntimo da pessoa que está em processo de re-conhecimento como ser racional, pertencente à Humanidade. É condição essencial para este processo de formação e estruturação deste organismo vivo, tanto que, “quando uma pessoa é incapaz de sentir os próprios sentimentos, precisa muitas vezes aprende-lo respondendo dia após dia, à pergunta: ‘Como estou me sentindo neste momento?’” sendo o mais relevante o “sentir que o ‘eu’ ativo é que está sentindo, o que torna direto e imediato o sentimento”, experimentando o “afeto em todos os níveis do próprio ser” (MAY, 2004, p. 87).
Para tanto, o avanço da pessoa em se descobrir como tal, carece do desenvolvimento de diversos sentimentos, propendendo para sua formação cada um, como fator decisivo para a conquista final do ‘eu pessoa’. Assim, “para os adultos, ocupados em se redescobrir, a luta está centralizada no seu íntimo”.
‘A luta para tornar-se uma pessoa ocorre no íntimo da própria pessoa.’ Ninguém pode evitar colocar-se contra pais exploradores, ou as forças externas do ambiente, mas a luta psicológica crucial que devemos empreender é contra as nossas dependências, a ansiedade e os sentimentos de culpa que surgem à medida que evoluímos para a liberdade. O conflito básico, em suma, dá-se entre aquela parte da pessoa que procura evoluir, expandir-se e ser sadia, e a outra que anseia por permanecer em nível imaturo, atada ao cordão umbilical psicológico e recebendo a pseudoproteção e os mimos dos pais, em troca da independência (MAY, 2004, p. 113).
Faz pleno sentido a afirmação de que, nesta batalha travada internamente, algumas poucas pessoas são vencedoras e acabam por se conhecer efetivamente, aceitando seus limites e sua incapacidade, próprias da imperfeição humana. Outras tantas, diante da guerra interna, preferem o refúgio confortável da ignorância pessoal, mantendo sua inabilidade, permanecendo como pessoa subdesenvolvida, quando não pontilhada de transtornos e desvios psicológicos, eivados de angústia e rancor.
Por isso, a pessoa precisa enfrentar toda sorte contrária e fazer opção ‘por si mesma’. Esta expressão de Kierkegaard, segundo Rollo May, “afirma a responsabilidade de cada um pelo próprio self e a própria existência”, correspondendo a uma “atitude oposta ao impulso cego ou à existência rotineira; é uma atitude de vivacidade e decisão”, em que “a pessoa reconhece existir naquele determinado ponto do universo e aceita a responsabilidade de sua existência”, corresponde a uma “decisão de aceitar o fato de que a pessoa é ela mesma, com a responsabilidade de cumprir o próprio destino, o que, por sua vez, implica em aceitar o fato de que cada qual deve fazer suas próprias opções fundamentais” (MAY, 2004, p. 140).
Na medida em que esta opção de viver é feita de forma consciente, “a responsabilidade para consigo mesmo assume novo significado”, aceitando a própria vida, “não como algo a que está preso, uma carga que lhe foi imposta, mas como um valor por ela escolhido”, ocorre uma união entre a “liberdade e responsabilidade”, tornando-se “mais do que uma idéia agradável”, consciente de que a opção “por si mesma” lhe dá certeza da escolha conjunta da “liberdade pessoal” e da “responsabilidade”; além disso, “a disciplina exterior transforma-se em ‘autodisciplina’”.
A pessoa a aceita não porque recebe ordens – pois quem poderia mandar em alguém que estava livre para acabar com a própria vida? – mas porque decidiu com maior liberdade o que pretende fazer da vida, e a disciplina é necessária em vista dos valores que deseja alcançar. Esta autodisciplina pode ter nomes complicados – Nietzsche a chamava de “amor ao próprio destino”, e Spinoza falava de “obediência às leis da vida”. Mas, ornada ou não de nomes fantasiosos, é, julgo eu, uma lição que todos progressivamente aprendem na luta pela conquista da maturidade (MAY, 2004, p. 144).
Para essa conquista, há também a necessidade de coragem. Coragem para romper com a situação original, de dependência da mãe, num primeiro momento, dos pais ou de si mesmo, para encarar o combate em busca de sua identificação como pessoa livre de qualquer amarra ou submissão. Há necessidade também, dentro do contexto, do incentivo dos pais e mães para que a criança supere este estado de completa dependência como pessoa em desenvolvimento, por isso, também a preocupação legal em preservar e garantir à criança a possibilidade de atingir este objetivo.
2. A proteção do interesse da criança
Para a transformação do estado infantil em estado adulto, imperioso o respeito à infância, aos primeiros passos da longa jornada representada pela vida. Somente possibilitando o aprendizado sadio das experiências da vida, o processo de formação humana poderá atingir seu ápice final: a conquista da dignidade da pessoa e seu auto-reconhecimento como pessoa com plena dignidade.
Não bastasse o amparo integral representado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado brasileiro, o legislador constituinte mostrou-se ainda mais preocupado com tema. Tanto, que no art. 227 da Constituição Federal de 1988 fez constar expressamente o “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
É preciso atenção, em relação ao dispositivo em comento, especialmente quanto aos direitos à vida e à saúde. Quanto ao primeiro, dispensa-se maiores comentários, uma vez que sem ela não seria possível discriminar os demais direitos, mas ainda assim, merece relevo porque não se poderá falar em vida, se esta não for digna, garantindo-se também à criança e ao adolescente o direito à ampla e irrestrita dignidade, na formação de pessoa como fim em si.
No tocante ao direito à saúde, talvez por questões culturais ou metodológicas, há certa propensão em restringi-la apenas na vertente física, olvidando da grande relevância representada pela saúde mental, psicológica. Neste aspecto, a expansão pessoal e seu auto-conhecimento está intimamente relacionado com o ambiente em que se encontra a criança ou adolescente, ou seja, o ambiente familiar, surgindo assim, a distinta responsabilidade do pai e da mãe, na família tradicional, ou de quem desempenhe este papel nas contemporâneas estruturas familiares, para a capacitação daquela criança ou adolescente na sua formação como pessoa humana com dignidade.
No plano infraconstitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, busca regulamentar integralmente a proteção à criança dispondo no art. 3º que ambos “gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
Dessa forma, há que se ter certa preocupação em relação aos traumas que a criança possa ser exposta, desde os primeiros anos de vida, evitando ao máximo sua exposição às condições adversas para sua constituição.
Importante parêntese, nesta oportunidade, para aqueles casos, de certa maneira comuns, que batem às portas do judiciário, onde o interesse e a proteção da criança não são considerados. Muitas vezes a criança é usada, em processos de separação, como moeda. É dispensado qualquer respeito à sua vida e aos seus sentimentos, para se conquistar posição mais cômoda em termos patrimoniais, senão ainda, por motivação desprezível, privando a outra pessoa do convívio e da participação da vida do filho.
Neste aspecto, cabe aos agentes de direito, em contato com tais situações, frear os ânimos impulsivos e até mesmo irracionais, para preservação e garantia do desenvolvimento psicológico, sem traumas ou abalos, que possam influenciar na formação deste ser humano, envolvido em questões judiciais que não lhe dizem respeito.
A oportunidade acende interrogações, será que a atual sistemática de estabelecimento de guarda, em processos de separação dos pais, está em consonância com a proteção constitucional destinada à criança e ao adolescente? Será que o ‘direito de visita’ concedido à outra pessoa não lhe retira direitos fundamentais?
Neste aspecto, importante a lição de Gustavo Tepedino, para quem, relativamente “à guarda”,
(...) a própria expressão semântica parece ambivalente, indicando um sentido de guarda como ato de vigilância, sentinela que mais se afeiçoa ao olho unilateral do dono de uma coisa guardada, noção inadequada a uma perspectiva bilateral de diálogo e de troca, na educação e formação da personalidade do filho.
Tradicionalmente, a guarda era tratada como um direito subjetivo a ser atribuído a um dos genitores na separação, em contrapartida ao direito de visita deferido a quem não fosse outorgado esta posição de vantagem, que teria o dever de a ela submeter-se. Dessa forma, acaba-se por desvirtuar o instituto da guarda, retirando-lhe a função primordial de salvaguardar o melhor interesse da criança ou do adolescente (TEPEDINO, 2004, p. 309).
Apesar de algum progresso na seara do direito de família, especialmente nas questões relativas à separação judicial e em relação aos filhos, não é incomum ainda hoje, encontrar situações em que se pretende o estabelecimento e a manutenção da criança como simples objeto a ostentar o melhor direito do guardião, o “que acaba por reduzir o papel dos pais na educação dos filhos, uma vez extinta a sociedade conjugal, a um feixe de prerrogativas e poderes a serem ostentados, exigidos e confrontados, a cada controvérsia envolvendo o destino da prole – verdadeiro duelo entre proprietários ciosos de seus confins” (TEPEDINO, 2004, p. 309).
Surge, para enfrentamento dessa situação, o instituto da guarda compartilhada e da guarda alternada, excluindo o ‘domínio’ individual e o privilégio de exclusividade até então reinante no ordenamento jurídico pátrio, como alternativa a ser considerada.
2.1. Apontamentos sobre a guarda compartilhada
Com a ruptura da vida comum, a primeira grande questão a ser levantada diz respeito aos filhos, quem ficará em sua companhia e auxiliará de mais perto o seu desenvolvimento. Excetuadas as situações do estabelecimento da guarda em família substituta, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a análise aqui será circunscrita aos casos de vida comum, dentro de uma entidade familiar constituída e que se desfaz, gerando direitos e deveres aos pais e também à criança em referida condição.
Pois não somente na “infância, dentro da família, mas também no decorrer da vida, com a ajuda das instituições, que a distinção entre fantasia e realidade, entre culpa e responsabilidade é estabelecida, desenvolvida e fomentada”, como afirma Giselle Câmara Groeninga, primeiramente “dentro da família, e no seio das instituições, aprendemos a interpretar os afetos, a realidade e a lei”, assim também se aprende a “balizar a agressividade e desenvolvemos formas de dar e receber amor, as quais vão se transformar em solidariedade – um capital essencial para o exercício da cidadania”, conclui a autora (GROENINGA, 2003, p. 102), de onde se extrai a importância do tema da guarda compartilhada, quando extinta a sociedade familiar.
O estudo da guarda compartilhada faz-se relevante e deve ser intensificado, à medida que contribui para a recuperação de uma apreciação ética das relações de filiação, de modo absolutamente necessário e complementar ao exercício conjunto da autoridade parental. A utilização teórica de ambas as categorias, como instrumentos integrados de atuação dos princípios constitucionais, destinadas à tutela das situações existenciais na formação e no desenvolvimento da personalidade do filho, mostra-se provavelmente como o desafio hermenêutico mais árduo para a concreção da dignidade humana em matéria de filiação (TEPEDINO, 2004, p. 321-322).
A atribuição da guarda dividida ou exclusiva a um dos ascendentes, gerando ao outro o direito de visitas, não condiz mais com a realidade atual da sociedade, além disso, não garante à criança o pleno desenvolvimento de sua personalidade, contrariando o princípio da dignidade humana. Apesar disso, na legislação pátria não há disposição expressa a respeito do estabelecimento da guarda compartilhada, fundamentando a doutrina a possibilidade de sua instituição com base no texto do art. 1.583, quando há consentimento dos pais, ou mesmo, a critério do juiz, em casos litigiosos, sempre pautando a decisão no melhor interesse da criança.
Na tentativa de suprir esta ausência de lei, há alguns projetos tramitando na Câmara dos Deputados, em especial o Projeto de lei nº 6.350 de 2002 que prevê alterações no Código Civil estabelecendo as situações em que poderá ser instituída a guarda compartilhada, delineando seu conceito inclusive[1].
Importante estudo consta da Justificativa do projeto que situa a guarda compartilhada como
(...) um tipo de guarda onde os pais e mães dividem a responsabilidade legal sobre os filhos ao mesmo tempo e compartilham as obrigações pelas decisões importantes relativas à criança. É um conceito que deveria ser a regra de todas as guardas, respeitando-se evidentemente os casos especiais. Trata-se de um cuidado dos filhos concedidos aos pais comprometidos com respeito e igualdade.
Na guarda compartilhada, um dos pais pode deter a guarda material ou física do filho, ressalvando sempre o fato de dividirem os direitos e deveres emergentes do poder familiar. O pai ou a mãe que não tem a guarda física não se limita a supervisionar a educação dos filhos, mas sim participará efetivamente dela como detentor de poder e autoridade para decidir diretamente na educação, religião, cuidados com a saúde, lazer, estudos, enfim, na vida do filho (BRASIL, 2002, p. 14.793).
Como se pode constatar, diversamente da previsão legal, estatuída no art. 1.584 que define a guarda “a quem revelar melhores condições para exercê-la”, na guarda compartilhada ambos pais participam, efetivamente das decisões importantes referentes à vida do filho, o que poderá ser a solução para a família, justamente porque a separação ou o divórcio cessam o casamento ou seus efeitos, porém não aniquila a família, devendo haver ajustes para propiciar o desenvolvimento dos menores envolvidos em tais circunstâncias.
A guarda dividida ou exclusiva não garante o desenvolvimento da criança e não defere aos pais tratamento de igualdade, pois, como a própria redação do art. 1.589 define, àquele privado da guarda dos filhos “poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”, conferindo-lhe, portanto, um tratamento de coadjuvante no processo de desenvolvimento dos filhos.
É certo que esta disposição além de ferir o direito à igualdade estabelecido na Constituição Federal, atribui a quem foi privado da guarda, apenas o direito de visita, devendo inclusive submeter-se muitas vezes, às regras e determinações traçadas pelo detentor da guarda, e isto com um grau de maior prejuízo porque àquele tem o respaldo legal, podendo submeter o outro aos seus caprichos e quando não, ao distanciamento dos filhos.
Este tipo de comportamento acarreta severos traumas na família desconstituída, o afastamento das pessoas configura, neste contexto, o primeiro passo para a extinção dos vínculos sentimentais até então existentes, transformando o afeto positivo, em negativo, o amor em ódio e no centro desse tormento crianças em formação devem merecer o zelo necessário para que as desventuras não lhes impossibilitem o crescimento e a conquista da dignidade.
3. A valoração do afeto na ciência jurídica
Neste momento se pode observar que o amor, o sentimento de união deve estar presente, especialmente o amor que une pais e mães aos seus filhos e filhas, olvidando os problemas enfrentados pelos adultos, com a preocupação voltada às crianças e adolescente. Deve se levar em conta que o amor, tanto para o ser humano, como para a sociedade organizada é muito importante. É, sem sombra de dúvida, o mais alto sentimento despertado na vivência em comunidade. Na expressão de Guilherme Assis de Almeida, “o amor deve ser a mais estimada de todas as coisas existentes. Esclareça-se que o amor, assim como os outros valores, é uma coisa, mas não algo concreto, palpável. Por sua própria natureza é inexaurível, jamais se esgota, sempre podemos amar mais e melhor” (ALMEIDA, 2005, p. 01).
Apesar da importância que o amor representa para a pessoa e para a sociedade, não se discutia, até pouco tempo atrás, sua relevância na seara jurídica. O fato é que de uma forma ou de outra, o patrimônio sempre ocupou lugar de destaque na legislação codificada, desde o advento do código de Napoleão.
A defesa da relevância do afeto, do valor do amor, torna-se muito importante não somente para a vida social. Mas a compreensão desse valor, nas relações do Direito de Família, leva à conclusão de que o envolvimento familiar, não pode ser pautado e observado apenas do ponto de vista patrimonial-individualista. Há necessidade da ruptura dos paradigmas até então existentes, para se poder proclamar, sob a égide jurídica, que o afeto representa elemento de relevo e deve ser considerado para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.
Veja-se que a alteração na estrutura do modelo familiar relativizou a função que cada membro da família ocupa, pois não se prende mais, naquela disposição tradicional: pai, mãe e filho; ao primeiro cabendo o comando e a gestão do lar. Outras e variadas configurações familiares rompem as correntes da família matrimonializada, que já não corresponde mais às relações de fato em que se envolvem as pessoas no tempo contemporâneo.
O amor está desfazendo o círculo neurótico, instituído por aquela formação familiar, como escreveu Giselle Câmara Groeninga, e passa a ocupar outra posição nesta nova estrutura, unindo pessoas por laços abstratos e num fim fraterno comum: o desenvolvimento pessoal, através do núcleo familiar.
Neste passo, o direito não acompanhou as alterações sociais, não se atribuiu, no ordenamento, pelo menos expressamente, valor ao afeto. Está a doutrina laborando intensamente para implantar esta nova visão independente e desvinculada do valor econômico apenas. Este trabalho é árduo e está no início, pois de um ponto de vista extremamente legalista, defender sua irrelevância, prevalecendo o elemento biológico, como ponto fundamental a sustentar a relação entre pai e filho é ainda comum nos litígios que batem às portas do judiciário brasileiro, tendo em vista o apego ao paradigma até então existente, para citar o exemplo da relevância deste aspecto em detrimento do amor.
Exemplos dessa afirmação são citados por Fernanda Otoni de Barros, em seu livro “Do direito do Pai”, quando confronta a paternidade biológica com a paternidade, por ela chamada, ‘social’, em casos práticos e reais, ocorridos no judiciário mineiro. No primeiro deles, ela relata um processo de investigação de paternidade de filha, proposto pela mãe, que até aquele momento tinha como pai o companheiro da mãe. A completar a trama, o pai biológico não tem qualquer relação com a filha e não quer assumir a paternidade, enquanto o “pai-social” não abre mão de seu direito de pai, mesmo sabendo que a filha é adulterina. Indaga a autora: “Quem é o pai?” (BARROS, 2001, p. 74-79).
No caso citado, prontamente se observa o elemento biológico em contraposição ao elemento afetivo, ou seja, a paternidade biológica, como um valor, fazendo frente à paternidade social, afetiva, num verdadeiro conflito valorativo. Além disso, imperioso anotar que neste exemplo, julgado o processo, o pai biológico tornou-se pai de direito da criança, com toda conseqüência decorrente do dever de paternidade, inclusive, com a troca do nome da criança e conseqüente exclusão do nome do ‘pai social’, apesar da insistência e insatisfação deste com o processo e com a justiça. Tal decisão acarretou incômodo na autora que observou no encerramento do processo, a possibilidade da psicanálise contribuir para a ciência do direito, especialmente na seara da filiação (BARROS, 2001, p. 78).
Cabe um parêntese para lembrar a lição de Gustavo Tepedino que entende que “as relações de Direito Civil, são postas, ainda, a partir de relações de afeto, amor e solidariedade” e prossegue defendendo que a figura do pai e da mãe
(...) parecem insubstituíveis nessas relações de vida inseridas na família. Ao contrário de desenvolvermos técnicas que possam parecer destinadas a superar a realidade cultural, em que vivemos, na verdade, temos técnicas terapêuticas para suprir deficiências humanas, para atender à pessoa para, excepcionalmente, prolongar e gerar vida, e não para suprir, pura e simplesmente, a falta de afeto e de amor que se dá no seio da família.
Esta é a realidade em que vivemos: uma ordem jurídica constitucional que avocou para as relações de Direito Privado, em particular para as relações de família, a dignidade da pessoa humana como valor central, superando todos os outros interesses patrimoniais, institucionais, matrimoniais ou ideológicos que pudessem, por assim dizer, se sobrepor na escolha de princípios ou nas novas técnicas legislativas (TEPEDINO, 2002, p. 52).
Não resta dúvida que o desenvolvimento da pessoa, de forma a alcançar a dignidade como e enquanto pessoa, será possível desde que haja respeito pelo ser humano que representa a criança em desenvolvimento, com seus medos, anseios e frustrações, e acima de tudo, com seus vínculos afetivos estabelecidos desde o nascimento, na coletividade familiar.
Noutro exemplo, ainda a autora, confronta o direito do pai biológico que pretende a manutenção do vínculo com a filha, após a separação do casal, e ingressa em juízo para a regulamentação de visitas, pela proibição da mãe em lhe conceder este direito. Observa, quando da procedência do seu pleito, que a filha foi adotada pelo atual companheiro da mãe, rompendo assim, qualquer vínculo com ele; novamente a indagação que não cala e permeia, na obra a presença do valor do afeto: “Quem é o pai?”
A esta altura, importante o testemunho narrado, com a alteração imposta ao rumo trilhado no início da pesquisa, quando, relata:
(...) eu tinha uma suposta resposta à questão inicial, ou seja, o pai é aquele que cria, que simbolicamente empresta seu nome e seu corpo na constituição da criança e no seu laço social, o campo jurídico devendo legitimar sua função simbólica e reconhecê-lo, agora eu tinha várias outras questões: e o pai biológico, qual deverá ser a sua função e qual legitimidade lhe é possível? E o desejo da mãe? Quem pode dizer o nome do pai? Só a mãe pode declarar o pai ao filho? O pai que ela desejar, quando o desejar? (BARROS, 2001, p. 86).
Neste caso concreto, facilmente se observa o conflito estabelecido entre a paternidade biológica, pretendendo ser também social, em contrapartida à paternidade adotiva, estabelecida através de uma suposta relação social, com flagrante fraude aos direitos do primeiro. Outra oportunidade de se observar o valor que o afeto representa para a constituição das relações familiares, bem como, o engessamento das normas do direito de família, diante da dificuldade em reconhecê-lo.
Finalmente, porém não menos importante, o derradeiro exemplo da autora, trazido sob o título “paternidade plural”, demonstra a existência do conflito entre a paternidade afetiva e a biológica, desnudando, mais uma vez a relevância do afeto, como um valor. Neste, o relato de um processo de separação judicial litigiosa, onde a mãe confessa ao pai da criança a possibilidade de ser outro o seu pai biológico. Tal suspeita é confirmada na instrução do processo e o pai biológico se dispõe a reconhecer a paternidade, encontrando óbice porque o “pai social” não quer sucumbir em seus direitos paternos, diante da existência do vínculo de afeto entre ele e a criança.
Causa surpresa o desfecho da história, quando o pai biológico pretende o reconhecimento da paternidade, dada a separação, onde o “pai social” declarou em acordo a inexistência de filhos e de bens, apesar de ter lutado para a manutenção do vínculo e o Ministério Público manifesta contrariamente, afirmando que a filiação não tem caráter privado. “Os pais de uma criança não podem decidir, quando querem, do jeito que querem, quem é o pai e quem não é. Filiação é um registro público, um direito indisponível e personalíssimo do filho e que não pode ser regulado por acordos e contratos particulares” (BARROS, 2001, p. 91).
Os filhos são realmente conquistados pelo coração, obra de uma relação de afeto construída a cada dia, em ambiente de sólida e transparente demonstração de amor a pessoa gerada por indiferente origem genética, pois importa ter vindo ao mundo para ser acolhida como filho de adoção por afeição. Afeto para conferir tráfego de duas vias a realização e a felicidade da pessoa. Representa dividir conversas, repartir carinho, conquistas, esperanças e preocupações; mostrar caminhos, aprender, receber e fornecer informação. Significa iluminar com a chama do afeto que sempre aqueceu o coração de pais e filhos sócioafetivos, o espaço reservado por Deus na alma e nos desígnios de cada mortal, de acolher como filho aquele que foi gerado dentro do seu coração (MADALENO, 2004, p. 08).
Sob tal argumento é possível se encher de esperanças para estabelecer no mundo jurídico mais uma vez, que o afeto é um valor, inerente à formação da dignidade humana, tal como o direito à herança genética, guardadas as proporções. Não pode, por isso, ser esquecido ou simplesmente rejeitado das lides forenses, em especial no direito de família, onde a formação individual, para o convívio social encontra sua primeira base de desenvolvimento.
Assim, nas quedas patrimoniais, tão comuns no direito, ao afeto deve ser aberto debate sobre o seu valor. Não um valor pecuniário, revertido no aspecto financeiro, em moeda corrente, como mero capital ou elemento de troca, mas um valor inerente à formação da pessoa humana, implícito na sua dignidade para sua formação pessoal.
Sob o manto do princípio da dignidade humana, os tribunais passam a reconhecer o valor do afeto, conforme se depreende da decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, prestigiando a filiação socioafetiva, com o seguinte aresto:
Negatória de paternidade. Adoção à brasileira. Confronto entre a verdade biológica e a socioafetiva. Tutela da dignidade da pessoa humana. Procedência. Decisão reformada.1. A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade socioafetiva, decorrente da denominada ‘adoção à brasileira" isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade socioafetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento da realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular "adoção à brasileira", não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado. (Tribunal de Justiça do Paraná, Apelação Cível nº 108.417-9, 2ª Câm. Civ., Rel. Des. Accácio Cambi, v.u., j. 12.12.2001)
Outra questão inquietante, que nega qualquer valor ao vínculo amoroso formado entre cônjuges diz respeito à perquirição de culpa para a dissolução do matrimônio. Ora, como se o fato de constituir advogado para um processo de separação, fazer todas as provas, enfrentar o judiciário moroso, exercer o direito de ação, já não constituísse prova suficiente para concluir pela necessária dissolução do enlace, pela conclusão do fim do sentimento que mantinha unido o casal.
Com o advento do Código Civil de 2002 já há entendimento de não haver, necessariamente, a obrigação de produção e indicação da culpa do cônjuge na separação, como se observa do aresto do Tribunal de Justiça de Sergipe, com a seguinte ementa:
SEPARAÇÃO JUDICIAL –Ação litigiosa – Magistrado que decreta a separação sem buscar e imputar a qualquer das partes a causa e o culpado pela ruptura do casamento – Admissibilidade, se manifestado pelos cônjuges, de forma inconteste, o firme propósito de pôr fim ao vínculo conjugal.
Ementa Oficial: Manifestado pelos cônjuges, através da inaugural e contestação, o propósito firme de se separarem, deve o magistrado decretar a separação, independentemente de buscar e imputar a qualquer das partes a causa e o culpado pela ruptura do casamento. (Ap 0718/2003 – Segredo de Justiça – 1ª Câm. – j. 08.03.2004 – rel. Des. Fernando R. Franco) RT 826/363
Como fundamento desta decisão, há referência expressa à jurisprudência já dominante do Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido, negando a necessidade de se comprovar a culpa, o que pode ser permitido supor que cessou, dentro daquele enlace, qualquer vínculo de amor entre as pessoas, pois pretendem a extinção da vida comum:
Direito Civil. Direito de Família. Separação por conduta desonrosa do marido. Prova não realizada. Irrelevância. Insuportabilidade da vida em comum manifestada por ambos os cônjuges. Possibilidade da decretação da separação. Nova orientação. Código Civil de 2002 (art. 1.573). Recurso desacolhido.
Na linha de entendimento mais recente e em atenção às diretrizes do novo Código Civil, evidenciado o desejo de ambos os cônjuges em extinguir a sociedade conjugal, a separação deve ser decretada, mesmo que a pretensão posta em juízo tenha como causa de pedir a existência da conduta desonrosa. (REsp. 433206 – Quarta Turma – j. 07.04.2003 – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)
Por “insuportabilidade da vida em comum” pode ser entendida ausência de amor, pois onde há afeto, amor, há comunhão e desejo de crescimento a dois, o que não pode ser encontrado, por certo, quando esta vontade já não se corresponde entre os cônjuges. Assim, não se falar em culpa ou causa da separação, imputando um responsável pelo fracasso do casamento, pode ser considerado avanço para o reconhecimento da dignidade da pessoa, e mais, para o reconhecimento do afeto como elemento importante para esta realização.
Nas linhas de Sérgio Resende de Barros, em “A ideologia do afeto” é possível concluir que a culpa não é fator para a decretação da extinção do vínculo conjugal, haja vista a existência de outro elemento importante pois em verdade,
(...), o que identifica a família é um afeto especial, com o qual se constitui a diferença específica que define a entidade familiar. É o sentimento entre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo convívio diuturno, em virtude de uma origem comum ou em razão de um destino comum, que conjuga suas vidas tão intimamente, que as torna cônjuges quanto aos meios e aos fins de sua afeição, até mesmo gerando efeitos patrimoniais, seja de patrimônio moral, seja de patrimônio econômico. Este é o afeto que define a família: é o afeto conjugal. Mais conveniente seria chamá-lo afeto familiar, uma vez que está arraigada nas línguas neolatinas a significação que, desde o latim, restringe o termo cônjuge ao binômio marido e mulher, impedindo ou desaconselhando estendê-lo para além disso (BARROS, 2002, p. 8).
Dessa maneira, quando não existe afeto, não há amor, uma sanção já foi imposta à sociedade conjugal; sua falência, pois a vida a dois não pode ser concebida inexistindo o laço de união afetiva entre os cônjuges. Obrigar seja provada a culpa pelo término da relação, sob o ponto de vista da relevância do afeto, seria o mesmo que implantar um sistema de “bis in idem” condenatório para aqueles que já sofreram com o fracasso na constituição da família a qual se dispuseram.
O autor vai ainda mais longe, defendendo a relevância do afeto e a alteração do texto constitucional, pois a família se conjuga com o amor, muito embora o pensamento da família parental, embasada no patriarcalismo defender de forma diversa,
(...) o fato é que não é requisito indispensável para haver família que haja homem e mulher, nem pai e mãe. Há famílias só de homens ou só de mulheres, como também sem pai e mãe. Ideologicamente, a atual Constituição brasileira, mesmo superando o patriarcalismo, ainda exige o parentalismo: o biparentalismo ou o monoparentalismo. Porém, no mundo dos fatos, uma entidade familiar forma-se por um afeto tal – tão forte e estreito, tão nítido e persistente – que hoje independe do sexo e até das relações sexuais, ainda que na origem histórica não tenha sido assim. Ao mundo atual, tão absurdo é negar que, mortos os pais, continua existindo entre os irmãos o afeto que define a família, quão absurdo seria exigir a prática de relações sexuais como condição sine qua non para existir a família. Portanto, é preciso corrigir ou, dizendo com eufemismo, atualizar o texto da Constituição brasileira vigente, começando por excluir do conceito de entidade familiar o parentalismo: a exigência de existir um dos pais (BARROS, 2002, p. 9).
Com isso, fica patente o destaque do afeto nas uniões familiares e o valor que lhe deve ser atribuído pelo direito, para cumprir o seu papel na formação e acabamento da pessoa humana, de forma a cumprir o princípio da dignidade da pessoa humana.
4. Responsabilidade civil pelo desamor?
Este valor, ao qual se fez referência, foi considerado em contraposição a outro ou a outros valores. Houve, neste estudo até aqui, a preocupação especial em contrapor o afeto aos valores como a culpa (nos casos de ruptura do casamento) e ao valor biológico (em conflitos entre paternidade biológica e paternidade social), por exemplo, sem considerar o valor do afeto no aspecto pecuniário.
Conforme afirma Nicola Abbagnano, o uso da expressão ‘valor’ pela filosofia “só começa quando, seu significado é generalizado para indicar qualquer objeto de preferência ou de escolha, o que acontece pela primeira vez com os estóicos”, eles foram os primeiros “que introduziram o termo no domínio da ética e chamaram de valores os objetos de escolha moral” (ABBAGNANO, 2003, p. 989).
É também a partir da mesma época que tende a reproduzir-se, no campo da teoria dos valores, uma divisão análoga à que caracterizara a teoria do bem: entre um conceito metafísico ou absolutista e um conceito empirista ou subjetivista do valor. O primeiro atribui ao valor um status metafísico, que independe completamente das suas relações com o homem. O segundo considera o modo de ser do valor em estreita relação com o homem ou com as atividades humanas. A primeira concepção é motivada pela intenção de subtrair o valor, ou melhor, determinados valores e modos de vida neles fundados, à dúvida, à crítica e à negação: essa intenção parece pueril, se pensarmos que o valor mais solidamente ancorado na consciência dos homens e que mais paixões provoca também é o valor mais mutável e relativo, a tal ponto que às vezes os filósofos se recusam pudicamente a considerá-lo autêntico: o valor-dinheiro (ABBAGNANO, 2003, p. 990).
É sob este prisma, do “valor-dinheiro” que se passará a analisar o afeto ou sua ausência de agora em diante, motivado especialmente por algumas decisões do Judiciário brasileiro, ora atribuindo, ora negando valor pecuniário, a título de reparação de danos, resolvendo a deficiência do enlace afetivo através de indenização em moeda.
Tem-se observado, nestes casos, que o fundamento para amparar a pretensão está circunscrito no âmbito da responsabilidade civil, afastando-se a competência do juízo da família e os princípios deste ramo do direito para a fundamentação do dever de reparar, ou então, da não obrigatoriedade de reparação.
Sem ingressar profundamente no mérito desta questão, na pretensão exclusiva de se abrir o debate, parece que a controvérsia não ficará bem situada unicamente na esfera da responsabilidade civil, uma vez que as relações de família são especiais, incidindo sobre elas princípios e circunstâncias peculiares do direito de família. Dessa forma, é possível defender o direito de família, como sendo o mais apto a enfrentar tais casos, com uma análise mais acurada, própria desse ramo, dentro da ótica da ‘repersonalização do direito civil’, eis que a pessoa humana deve ser o centro da atenção e não a existência ou inexistência da relação de afeto porventura existente, claro sem se olvidar da relevância que o amor representa para a formação da pessoa.
Lafayette Pozzoli já atentou para o que escreveu Jacques Maritain, no livro “Humanismo Integral”, ensinando “que o ser humano deve realizar uma obra comum na terra: o amor”, segundo ele, “o verdadeiro fim da humanidade está em realizar uma vida comum terrena, um regime temporal de acordo com a dignidade humana e o amor”, sendo este, sem dúvida, “um trabalho árduo e heróico e que exige força de vontade, paciência e, sobretudo, fé de cada pessoa” (POZZOLI, 2003, p. 108-109).
Não se trata de atribuir, simplesmente, valor pecuniário para o desamor, nem mesmo responsabilizar a pessoa pela ausência deste sentimento nas relações de família. Se a discussão ficar restrita a este prisma não se atingirá o seu ponto fundamental, ou seja, a sua grande importância para a própria formação da pessoa.
As questões sem respostas, pelas quais atravessa a sociedade atual, encontram reflexo na família moderna, pois todo “abandono sofrido pelas crianças mimadas de hoje – qualquer que seja a composição familiar a que pertençam – é o abando moral”, como afirma Maria Rita Kehl, e conclui que não é o fato de
(...) a mãe, separada do pai, passa muitas horas por dia trabalhando; não é porque um pai decidiu criar sozinho os filhos que a mãe rejeitou; ou porque um casal jovem só tenha tempo para conviver com a criança no fim da semana. O abandono, e a conseqüente falta de educação das crianças, ocorre quando o adulto responsável não banca sua diferença diante delas.
Fora isso, sabemos que todos os “papéis” dos agentes familiares são substituíveis – por isso é que os chamamos de papéis. O que é insubstituível é um olhar de adulto sobre a criança, a um só tempo amoroso e responsável, desejante de que esta criança exista e seja feliz na medida do possível – mas não a qualquer preço. Insubstituível é o desejo do adulto que confere um lugar a este pequeno ser, concomitante com a responsabilidade que impõe os limites deste lugar. Isto é que é necessário para que a família contemporânea, com todos os seus tentáculos esquisitos, possa transmitir parâmetros éticos para as novas gerações (KEHL, 2003, p. 176).
Por isso, se admite que não será atacada a causa do problema, restando apenas o contentamento superficial e abrandado apego ao efeito. Deve ser anotado que a alteridade, o respeito pela pessoa do Outro há de ser levada em primeira discussão, até que ponto está existindo, na aplicação do direito, a consideração do Outro e para o Outro? O debate, tratado apenas sob o prisma da responsabilidade civil, permanece cingido sobre a valoração do amor ou a resolução em perdas e danos ocasionada diante do desamor, não se vislumbrando da sua imperiosa necessidade na formação da dignidade da pessoa humana.
Não se observa nos relacionamentos de hoje, o diálogo a que se referiu Montoro, entre a “pessoa-sociedade”, o que torna tenso e preocupante o ambiente, pois como ele próprio anunciou, “é através do diálogo que a pessoa toma consciência de sua situação e de seus problemas e é, também, através do diálogo que o grupo social se constitui como realidade sociocultural”, devendo estar, “assim, na origem e na continuidade dinâmica da ‘pessoa’ e da ‘sociedade’. Da pessoa humana real e da sociedade historicamente atuante” (MONTORO, 1995, p. 213).
Diante dessa realidade, surge a necessidade de se resgatar valor para o amor, não apenas em processos de indenização, propostos por filhos contra pais relapsos que lhes negaram o direito ao pleno desenvolvimento[2], sob a égide do abandono moral, mas um valor inerente à família e porque não, à dignidade da pessoa humana, dada sua importância na construção da pessoa, como fim em si mesma.
Diante destas ponderações é possível concluir, sem entretanto, ter a pretensão de suplantar outras conclusões e outros fundamentos para o assunto, que o amor representa elemento indispensável e imprescindível para a formação, desenvolvimento e o aperfeiçoamento do princípio da dignidade humana.
Para alcançar o pleno desenvolvimento, que tem início na infância, não resta dúvida que esta fase da vida deve ser protegida e amparada, em especial pelos agentes do direito, para se permitir o avanço de etapas e a conquista da pessoa como fim em si mesma e como ser independente.
O debate sobre a guarda, em especial da guarda compartilhada, deve permear a preocupação dos juristas afeitos ao direito de família, sobretudo nesta época em que a família não mais corresponde ao modelo patriarcal instituído e embasado apenas pelo casamento, devendo ainda, ser observado que o modelo de guarda exclusiva já não corresponde mais o caminho para a conquista da auto-afirmação da pessoa.
Isso, levando em conta, a relevância do afeto nas relações de família, o que começa a ser reconhecido pelos Tribunais superiores, possibilitando assim, discussão acerca dos arestos já estabelecidos. Vê-se por outro lado, com certa preocupação, a resolução do afeto ou melhor, da sua falta, em perdas e danos, haja vista que esta controvérsia deixa ao abandono a pessoa, especialmente a pessoa do Outro, a quem se deve dirigir o afeto na sua formação.
Além disso, cada caso concreto deve ser analisado com a prudência devida, especialmente tendo em vista o ordenamento jurídico que estabelece a guarda exclusiva, como o brasileiro, restando àquele que não a tem, apenas o ‘direito de visitas’, bem como, a submissão, muitas vezes ao capricho e manobras de quem efetivamente detém a guarda da criança.
A vida, não se discute mais, é grande o seu valor. O amor, imprescindível para o aperfeiçoamento da vida também deve ter o seu valor reconhecido.
Bibliografia:
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MONTORO, André Franco. Estudos de filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1995.
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_______. Clonagem: pessoa e família nas relações do direito civil. Revista CEJ, Brasília, n. 16, p. 49-52, jan/mar. 2002.
Notas:
[1] Referido projeto acrescenta ao art. 1583 do Código Civil dois parágrafos com a seguinte redação: “§ 1º O juiz, antes de homologar a conciliação, sempre colocará em evidência para as partes as vantagens da guarda compartilhada. § 2º Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização do dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da convivência, em que os pais participam igualmente a guarda material dos filhos, bem como os direitos e deveres emergentes do poder familiar.” O mesmo projeto define nova redação ao art. 1.584, também do Código Civil, nos seguintes termos: Art. 1.584. Declarada a separação judicial ou a (sic) divórcio ou separação de fato sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá a (sic) sistema da guarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não haja possibilidade, atribuirá a guarda tendo em vista o melhor interesse da criança. § 1º A Guarda poderá ser modificada a qualquer momento atendendo sempre ao melhor interesse da criança”.
[2] Veja a respeito REsp nº 757411/MG, j. 29.11.2005."
Fonte: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1066
Sumário: Introdução. 1. A formação da pessoa. 2. A proteção do interesse da criança. 2.1. Apontamentos sobre a guarda compartilhada. 3. A valoração do afeto na ciência jurídica. 3.1. O afeto nos Tribunais. 4. Responsabilidade civil pelo desamor? Considerações finais. Referências.
Está havendo maior preocupação com o afeto nas relações do direito de família, tanto que existem casos batendo às portas do Judiciário para o estabelecimento de indenizações, tendo como fundamento a ausência de amor de um dos pais, no desenvolvimento dos filhos.
No presente estudo, sem o intuito de esgotar a matéria, mas com a preocupação de se estabelecer debate sobre a relevância do amor nos contatos familiares, são traçadas algumas orientações acerca do amor na constituição da pessoa, em especial na seara da família.
Neste objetivo, são traçadas considerações sobre o instituto da guarda, em especial da guarda compartilhada, para a estruturação da criança na moderna formação familiar, que não corresponde à família patriarcal. Assim, faz-se uma análise do afeto na ciência jurídica e como está sendo tratado nos Tribunais, com a citação de alguns julgados fundamentados no elemento afetivo.
Por derradeiro, procede-se a uma crítica da inserção da matéria no ramo da responsabilidade civil, argumentando que o direito de família e conseqüentemente o juízo da família tem mais aptidão para o julgamento de tais casos, chamando atenção ainda, para o perigo em se valorar o amor como simples moeda, sem a preocupação com as causas do desamor, pois para a constituição da pessoa o amor é tão importante, como a vida.
1. A formação da pessoa
O ser humano, ao longo de sua existência, conseguiu várias e memoráveis façanhas, algumas abomináveis, embasadas apenas no egoísmo e no desejo individual de ganho, outras tantas, dignas de entes superiores, como exemplo, as facilidades de transporte e comunicação, a cura de doenças endêmicas, a descoberta da origem genética. Entretanto, nessa busca incessante pelo aperfeiçoamento, parece ter esquecido de se conhecer, compreender sua real finalidade como existência humana, pois, saiu à procura de algo melhor e talvez tenha perdido de se conhecer e se formar como pessoa, um organismo vivo que sente e racionaliza, diferentemente de outros tantos seres que têm vivência singela e irracional.
Apesar disso, para Ernst Cassirer, “o homem é criatura que está em constante busca de si mesmo – uma criatura que, em todos os momentos de sua existência, deve examinar e escrutinar as condições de sua existência”, sendo que esta análise, “consiste o real valor da vida humana”, pois somente o ser humano “pode dar uma resposta racional” de tal forma que “seu conhecimento” e “a sua moralidade estão compreendidos nesse círculo”, “por essa faculdade de dar uma resposta a si mesmo e aos outros, que o homem se torna um ser ‘responsável’, um sujeito moral” (CASSIRER, 2005, p. 17).
A despeito de todos os esforços do irracionalismo moderno, essa definição de homem como um animal rationale não perdeu sua força. A racionalidade é de fato um traço inerente a todas as atividades humanas. A própria mitologia não é uma massa grosseira de superstições ou ilusões crassas. Não é meramente caótica, pois possui uma forma sistemática ou conceitual. Mas, por outro lado, seria impossível caracterizar a estrutura do mito como racional. A linguagem foi com freqüência identificada à razão, ou à própria fonte da razão. Mas é fácil perceber que essa definição não consegue cobrir todo o campo. É uma pars pro toto; oferece-nos uma parte pelo todo. Isso porque, lado a lado com a linguagem conceitual, existe uma linguagem emocional; lado a lado com a linguagem científica ou lógica, existe uma linguagem da imaginação poética. Primariamente, a linguagem não exprime pensamentos ou idéias, mas sentimentos e afetos. E até mesmo uma religião “nos limites da razão pura”, tal como concebida e elaborada por Kant, não passa de mera abstração (CASSIRER, 2005, p. 49).
Dessa forma, como afirma Rollo May, “o homem difere completamente da natureza, uma vez que possui consciência de si mesmo; seu senso de individualidade o distingue do restante dos seres animados e inanimados”, inclusive da própria natureza, por isso “a necessidade de autoconsciência”, ou seja, de
(...) um self vigoroso – isto é, um forte senso de identidade pessoal – para relacionar-se plenamente com a natureza sem ser por ela absorvido. Pois sentir verdadeiramente seu silêncio e o caráter inorgânico acarreta considerável ameaça. Se alguém se encontrar num alto promotório, por exemplo, contemplando o mar em violenta agitação e compreender, de maneira plena e realista, que o oceano jamais “tem uma lágrima pela dor alheia, nem se importa com o que os outros pensem”, e que sua vida poderia ser engolida com uma alteração infinitesimal para aquele tremendo movimento químico da criação, a pessoa se sentiria ameaçada. Ou se alguém se entregar à sensação das distâncias no pico de uma montanha e entrar em empatia com as altitudes e os abismos, compreendendo ao mesmo tempo que a montanha “nunca foi amiga de ninguém”, “nem prometeu o que não poderia dar”, e que ele poderia despedaçar-se no sopé rochoso sem que sua extinção como pessoa humana trouxesse a menor alteração às paredes de granito, então sobrevirá o medo. Esta é a profunda ameaça do “não ser”, do “nada”, que se experimenta em plena confrontação com o ser inorgânico. E recordar que “tu és pó e em pó te hás de tornar” não constitui grande conforto (MAY, 2004, p. 61-62).
Com essa descoberta, surge um grande conflito interno, pois ao mesmo tempo em que se constitui um organismo complexo, pleno de existência, tem no plano racional a sua finitude como certeza, gerando uma agitação de forças internas, que segundo Erich Fromm, devem ser “entendidas como base da ‘natureza’ do homem” (FROMM, 1992, p. 43). Mas esta descoberta da consciência, por mais que se defenda, seja um processo fácil, para a grande maioria das pessoas é extremamente penoso, sendo que para determinadas pessoas parece ser inatingível, permanecendo num estado infantil de desenvolvimento, padecendo de doenças variadas e sem causa aparente, num verdadeiro subdesenvolvimento interior.
Frente a tantas adversidades, o medo se torna companheiro fiel e persistente, e tem como causa, “a ansiedade de perder a consciência de si mesmo”, de ter a sensação de estar perdido, sem rumo e sem “nada para orientá-lo”, consumido sem saber diferenciar o seu mundo subjetivo e “o mundo objetivo que o rodeia” (MAY, 2004, p. 28), brotando desta situação um vazio profundo, fruto “da convicção pessoal de ser incapaz de agir como uma entidade, dirigir a própria vida, modificar a atitude das pessoas em relação a si mesmo, ou exercer influência sobre o mundo que nos rodeia” o que culmina com a renúncia da pessoa em “sentir e a querer” (MAY, 2004, p. 22).
Então, se converte num ser mecanicista, suprimindo sua vontade e desejo, condicionado, ainda que de forma inconsciente, seja internamente pelo medo, seja externamente pelas convenções e apelos da sociedade, que pouco a pouco também se transformam num verdadeiro fosso, aumentando ainda mais aquela sensação de debilidade e de solidão.
O ser humano não tem aptidão para viver isolado, portanto, carece da aprovação social para pertencer a um determinado grupo, necessita “ser estimado” para superar a “sensação de isolamento”, pois somente “imersa no grupo, é reabsorvida, como se voltasse ao ventre materno”, esquecendo assim, “a solidão, embora ao preço da renúncia à sua própria existência como personalidade independente.” Não consegue estabelecer os recursos internos capazes de vencer a solidão no correr dos anos, “isto é, o desenvolvimento de seus recursos interiores, da força e do senso de direção, para usá-los como base de um relacionamento significativo com os outros seres humanos.” Nesta desestrutura, a solidão passa a ser a única companheira, ainda em presença dos outros, “pois gente vazia não possui base necessária para aprender a amar” (MAY, 2005, p. 29).
É na infância que “surge no ser humano a mais importante e radical ocorrência no processo evolutivo, isto é, a autoconsciência” é a primeira oportunidade em que se encontra com o “eu”, justamente porque quando “no ventre materno, fazia parte do ‘nós original’ com sua mãe” e, próximo aos três anos de idade, a criança “toma consciência de sua liberdade”, sentindo-se no “relacionamento com os pais”, e “a si mesma como um indivíduo independente, capaz de opor-se a eles, se necessário. Esta notável ocorrência constitui o nascimento da pessoa no animal humano” (MAY, 2004, p. 69-70).
Esta mobilização é muito simples, porém, muito profunda, algo novo na frágil vida humana. Diante da dificuldade ocasionada pela profundidade, intenta o ser humano uma fuga colérica para retornar ao único lugar de segurança que conhece, pois ao nascer “é tirado de uma situação que até então era definida, tão definida quanto os instintos, e jogado numa situação indefinida, incerta e aberta. Só há certeza com relação ao passado; com relação ao futuro, a única certeza que existe é a morte” (FROMM, 2000, p. 10).
Este fluxo de expansão da vida, que se inicia nos primeiros anos e se prolonga durante toda a vida, é “diferente para cada um – acarretando crises que podem causar profunda ansiedade. Não é para admirar”, como afirma Rollo May, “que muita gente recalque o conflito e procure durante toda a vida fugir da ansiedade”, isso porque, prossegue o autor, a experimentação “de nossa própria personalidade é a convicção de que todos começamos como seres psicológicos”, apesar da impossibilidade de se provar isso de “maneira lógica”,
pois a autoconsciência era pressuposição de qualquer discussão a respeito. Haverá sempre um elemento de mistério na percepção do próprio ser-mistério significando aqui um problema cujos dados o envolvem inteiramente. Pois esta percepção é pressuposição de auto-indagação. Isto é, o simples meditar sobre a própria identidade significa que já se está empenhado na autoconsciência (MAY, 2004, p. 74).
Nos dias atuais, o ser humano está a viver uma fase de imenso vazio e esta sensação deriva “da idéia de incapacidade para fazer algo de eficaz a respeito da própria vida e do mundo em que vivemos”, tornando extremamente preocupante, pois poderá sofrer estagnação, se não evoluir em direção ao seu autoconhecimento, exatamente porque “as potencialidades transformam-se em morbidez e desespero e eventualmente em atividades destrutivas” (MAY, 2004, p. 22).
Decorre daí que muitas doenças físicas têm nascedouro também nas suas fugas em não se re-conhecer como pessoa. Assim, recorrendo-se à metáfora da folha de papel, o ser humano é como tal, de um lado o plano físico-orgânico, de outro lado, o plano psicológico. Dois lados de uma mesma pessoa, duas óticas conexas de um mesmo ente. Tanto que, se houver a perfuração de um lado do papel, entenda-se perturbação psicológica do ser humano, prontamente o outro também será afetado, pois conexos, compõem-se em partes de um todo. Com isso, é possível demonstrar que a vida da pessoa é composta de uma díade, e que, não pode ser compartimentalizada sob pena de se perder o humano em sua integração pessoal.
Sendo assim, a sua vida é marcada por constante incerteza e, ao conhecer a natureza humana, visualizar os conflitos interiores é possível obter “novas bases para a crença nos aspectos trágicos da existência humana”, de tal modo, o psicoterapeuta, ao observar todos estes embates concebidos interna e externamente em cada pessoa, acaba por adquirir “uma nova compreensão do potencial da dignidade do ser humano”, obtendo provas “de que, quando o homem finalmente aceita o fato de não poder mentir com êxito para si mesmo e resolve levar-se a sério, descobre no íntimo uma capacidade de recuperação anteriormente desconhecida e às vezes mesmo notável” (MAY, 2004, p. 65).
Qual, então, a tarefa com que nos defrontamos? As implicações são nítidas na análise acima: precisamos redescobrir no nosso íntimo novas fontes de vigor e integridade. Isto, naturalmente, será feito de acordo com a descoberta e a afirmação de valores pessoais e da sociedade onde vivemos, e que constituirão o âmago da unidade. Mas valor algum será eficaz, tanto para a pessoa como para a sociedade, quando não existe a capacidade anterior para avaliá-los, isto é, para optar e afirmar de maneira atuante os princípios segundo os quais se deseja viver. Este é um dever do indivíduo, que assim contribuirá para o lançamento das bases de uma sociedade construtiva, que eventualmente emergirá desta época agitada, como a Renascença surgiu da desintegração da Idade Média (MAY, 2004, p. 66).
O autor ainda reforça sua posição, citando observação de William James, a respeito da preocupação daqueles que pretendem um mundo mais sadio, e que “deveriam começar por si mesmos”, podendo “ir mais longe”,
observando que descobrir o centro de força em nosso íntimo é, afinal, a melhor contribuição que podemos prestar aos homens nossos irmãos. Diz-se que, na Noruega, quando um pescador vê seu barco arrastado para um redemoinho tenta lançar um remo ao abismo borbulhante. Se o conseguir, o maelstrom se acalma e ele e seu barco conseguem atravessar em segurança. Do mesmo modo, quem possui força íntima inata exerce um efeito calmante sobre as pessoas em pânico que a rodeiam. É disto que precisa a nossa sociedade – não de novas idéias e invenções, por mais importantes que sejam, não de gênios e super-homens, mas de pessoas que sejam, isto é, que possuam no íntimo uma fonte de vigor (MAY, 2004, p. 66).
Este processo de autoconhecimento ou de conhecimento interior é profundamente doloroso, pois exige do ser humano o confronto consigo, a ciência de seus limites e recursos, enfim, o encontro com suas incapacidades, seus medos e sua impotência. Tal agitação, em busca de solucionar suas contradições, próprias do ser humano, “é vital para o homem encontrar uma solução para si mesmo, elas são carregadas de toda a energia inerente a uma pessoa”, como afirma Fromm, “são no sentido amplo da palavra, ‘espirituais’, os caminhos de fuga da sobrevivência-transcendendo a experiência do nada e do caos” na tentativa de “encontrar alguma forma de união e de estrutura/orientação”, servindo “à sobrevivência mental mais do que à sobrevivência física” (FROMM, 1992, p. 44).
Neste processo, um elemento extremamente relevante para o enriquecimento pessoal, é, sem sombra de dúvida, o amor. O amor próprio, ou, para usar a expressão de Rollo May, “o amor de si mesmo”, que “é não só necessário, como um bem, além de ser indispensável ao amor ao próximo”. O autor, faz um parêntese, observando com Erich Fromm, para não se confundir este sentimento, com o egoísmo, pois a “excessiva preocupação com sua pessoa brotam, na verdade, do ódio por si mesmo”. E mais,
que amor-próprio não é a mesma coisa que egoísmo e, sim, o oposto; isto é, a pessoa que se sente intimamente indigna precisa valorizar-se pelo egoísmo, e aquela que tem uma compreensão sadia do próprio valor e que ama a si mesma possui as bases para agir com generosidade em relação ao próximo. Felizmente torna-se também claro, de uma perspectiva religiosa mais distante, que muito da autocondenação e desprezo pessoal contemporâneos são produto de problemas específicos do nosso tempo. O desprezo de Calvino pelo self estava intimamente ligado ao fato de que os indivíduos se sentiam insignificantes nos círculos industriais dos tempos modernos. E o autodesprezo do século XX resulta não só do calvinismo, mas também do nosso vazio doentio. Assim, a atual ênfase no desprezo pessoal não é representativa da tradição hebraico-cristã (MAY, 2004, p. 83).
O amor é o sentimento que preenche aquele vazio referido, aquela angústia gerada no íntimo da pessoa que está em processo de re-conhecimento como ser racional, pertencente à Humanidade. É condição essencial para este processo de formação e estruturação deste organismo vivo, tanto que, “quando uma pessoa é incapaz de sentir os próprios sentimentos, precisa muitas vezes aprende-lo respondendo dia após dia, à pergunta: ‘Como estou me sentindo neste momento?’” sendo o mais relevante o “sentir que o ‘eu’ ativo é que está sentindo, o que torna direto e imediato o sentimento”, experimentando o “afeto em todos os níveis do próprio ser” (MAY, 2004, p. 87).
Para tanto, o avanço da pessoa em se descobrir como tal, carece do desenvolvimento de diversos sentimentos, propendendo para sua formação cada um, como fator decisivo para a conquista final do ‘eu pessoa’. Assim, “para os adultos, ocupados em se redescobrir, a luta está centralizada no seu íntimo”.
‘A luta para tornar-se uma pessoa ocorre no íntimo da própria pessoa.’ Ninguém pode evitar colocar-se contra pais exploradores, ou as forças externas do ambiente, mas a luta psicológica crucial que devemos empreender é contra as nossas dependências, a ansiedade e os sentimentos de culpa que surgem à medida que evoluímos para a liberdade. O conflito básico, em suma, dá-se entre aquela parte da pessoa que procura evoluir, expandir-se e ser sadia, e a outra que anseia por permanecer em nível imaturo, atada ao cordão umbilical psicológico e recebendo a pseudoproteção e os mimos dos pais, em troca da independência (MAY, 2004, p. 113).
Faz pleno sentido a afirmação de que, nesta batalha travada internamente, algumas poucas pessoas são vencedoras e acabam por se conhecer efetivamente, aceitando seus limites e sua incapacidade, próprias da imperfeição humana. Outras tantas, diante da guerra interna, preferem o refúgio confortável da ignorância pessoal, mantendo sua inabilidade, permanecendo como pessoa subdesenvolvida, quando não pontilhada de transtornos e desvios psicológicos, eivados de angústia e rancor.
Por isso, a pessoa precisa enfrentar toda sorte contrária e fazer opção ‘por si mesma’. Esta expressão de Kierkegaard, segundo Rollo May, “afirma a responsabilidade de cada um pelo próprio self e a própria existência”, correspondendo a uma “atitude oposta ao impulso cego ou à existência rotineira; é uma atitude de vivacidade e decisão”, em que “a pessoa reconhece existir naquele determinado ponto do universo e aceita a responsabilidade de sua existência”, corresponde a uma “decisão de aceitar o fato de que a pessoa é ela mesma, com a responsabilidade de cumprir o próprio destino, o que, por sua vez, implica em aceitar o fato de que cada qual deve fazer suas próprias opções fundamentais” (MAY, 2004, p. 140).
Na medida em que esta opção de viver é feita de forma consciente, “a responsabilidade para consigo mesmo assume novo significado”, aceitando a própria vida, “não como algo a que está preso, uma carga que lhe foi imposta, mas como um valor por ela escolhido”, ocorre uma união entre a “liberdade e responsabilidade”, tornando-se “mais do que uma idéia agradável”, consciente de que a opção “por si mesma” lhe dá certeza da escolha conjunta da “liberdade pessoal” e da “responsabilidade”; além disso, “a disciplina exterior transforma-se em ‘autodisciplina’”.
A pessoa a aceita não porque recebe ordens – pois quem poderia mandar em alguém que estava livre para acabar com a própria vida? – mas porque decidiu com maior liberdade o que pretende fazer da vida, e a disciplina é necessária em vista dos valores que deseja alcançar. Esta autodisciplina pode ter nomes complicados – Nietzsche a chamava de “amor ao próprio destino”, e Spinoza falava de “obediência às leis da vida”. Mas, ornada ou não de nomes fantasiosos, é, julgo eu, uma lição que todos progressivamente aprendem na luta pela conquista da maturidade (MAY, 2004, p. 144).
Para essa conquista, há também a necessidade de coragem. Coragem para romper com a situação original, de dependência da mãe, num primeiro momento, dos pais ou de si mesmo, para encarar o combate em busca de sua identificação como pessoa livre de qualquer amarra ou submissão. Há necessidade também, dentro do contexto, do incentivo dos pais e mães para que a criança supere este estado de completa dependência como pessoa em desenvolvimento, por isso, também a preocupação legal em preservar e garantir à criança a possibilidade de atingir este objetivo.
2. A proteção do interesse da criança
Para a transformação do estado infantil em estado adulto, imperioso o respeito à infância, aos primeiros passos da longa jornada representada pela vida. Somente possibilitando o aprendizado sadio das experiências da vida, o processo de formação humana poderá atingir seu ápice final: a conquista da dignidade da pessoa e seu auto-reconhecimento como pessoa com plena dignidade.
Não bastasse o amparo integral representado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado brasileiro, o legislador constituinte mostrou-se ainda mais preocupado com tema. Tanto, que no art. 227 da Constituição Federal de 1988 fez constar expressamente o “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
É preciso atenção, em relação ao dispositivo em comento, especialmente quanto aos direitos à vida e à saúde. Quanto ao primeiro, dispensa-se maiores comentários, uma vez que sem ela não seria possível discriminar os demais direitos, mas ainda assim, merece relevo porque não se poderá falar em vida, se esta não for digna, garantindo-se também à criança e ao adolescente o direito à ampla e irrestrita dignidade, na formação de pessoa como fim em si.
No tocante ao direito à saúde, talvez por questões culturais ou metodológicas, há certa propensão em restringi-la apenas na vertente física, olvidando da grande relevância representada pela saúde mental, psicológica. Neste aspecto, a expansão pessoal e seu auto-conhecimento está intimamente relacionado com o ambiente em que se encontra a criança ou adolescente, ou seja, o ambiente familiar, surgindo assim, a distinta responsabilidade do pai e da mãe, na família tradicional, ou de quem desempenhe este papel nas contemporâneas estruturas familiares, para a capacitação daquela criança ou adolescente na sua formação como pessoa humana com dignidade.
No plano infraconstitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, busca regulamentar integralmente a proteção à criança dispondo no art. 3º que ambos “gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
Dessa forma, há que se ter certa preocupação em relação aos traumas que a criança possa ser exposta, desde os primeiros anos de vida, evitando ao máximo sua exposição às condições adversas para sua constituição.
Importante parêntese, nesta oportunidade, para aqueles casos, de certa maneira comuns, que batem às portas do judiciário, onde o interesse e a proteção da criança não são considerados. Muitas vezes a criança é usada, em processos de separação, como moeda. É dispensado qualquer respeito à sua vida e aos seus sentimentos, para se conquistar posição mais cômoda em termos patrimoniais, senão ainda, por motivação desprezível, privando a outra pessoa do convívio e da participação da vida do filho.
Neste aspecto, cabe aos agentes de direito, em contato com tais situações, frear os ânimos impulsivos e até mesmo irracionais, para preservação e garantia do desenvolvimento psicológico, sem traumas ou abalos, que possam influenciar na formação deste ser humano, envolvido em questões judiciais que não lhe dizem respeito.
A oportunidade acende interrogações, será que a atual sistemática de estabelecimento de guarda, em processos de separação dos pais, está em consonância com a proteção constitucional destinada à criança e ao adolescente? Será que o ‘direito de visita’ concedido à outra pessoa não lhe retira direitos fundamentais?
Neste aspecto, importante a lição de Gustavo Tepedino, para quem, relativamente “à guarda”,
(...) a própria expressão semântica parece ambivalente, indicando um sentido de guarda como ato de vigilância, sentinela que mais se afeiçoa ao olho unilateral do dono de uma coisa guardada, noção inadequada a uma perspectiva bilateral de diálogo e de troca, na educação e formação da personalidade do filho.
Tradicionalmente, a guarda era tratada como um direito subjetivo a ser atribuído a um dos genitores na separação, em contrapartida ao direito de visita deferido a quem não fosse outorgado esta posição de vantagem, que teria o dever de a ela submeter-se. Dessa forma, acaba-se por desvirtuar o instituto da guarda, retirando-lhe a função primordial de salvaguardar o melhor interesse da criança ou do adolescente (TEPEDINO, 2004, p. 309).
Apesar de algum progresso na seara do direito de família, especialmente nas questões relativas à separação judicial e em relação aos filhos, não é incomum ainda hoje, encontrar situações em que se pretende o estabelecimento e a manutenção da criança como simples objeto a ostentar o melhor direito do guardião, o “que acaba por reduzir o papel dos pais na educação dos filhos, uma vez extinta a sociedade conjugal, a um feixe de prerrogativas e poderes a serem ostentados, exigidos e confrontados, a cada controvérsia envolvendo o destino da prole – verdadeiro duelo entre proprietários ciosos de seus confins” (TEPEDINO, 2004, p. 309).
Surge, para enfrentamento dessa situação, o instituto da guarda compartilhada e da guarda alternada, excluindo o ‘domínio’ individual e o privilégio de exclusividade até então reinante no ordenamento jurídico pátrio, como alternativa a ser considerada.
2.1. Apontamentos sobre a guarda compartilhada
Com a ruptura da vida comum, a primeira grande questão a ser levantada diz respeito aos filhos, quem ficará em sua companhia e auxiliará de mais perto o seu desenvolvimento. Excetuadas as situações do estabelecimento da guarda em família substituta, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a análise aqui será circunscrita aos casos de vida comum, dentro de uma entidade familiar constituída e que se desfaz, gerando direitos e deveres aos pais e também à criança em referida condição.
Pois não somente na “infância, dentro da família, mas também no decorrer da vida, com a ajuda das instituições, que a distinção entre fantasia e realidade, entre culpa e responsabilidade é estabelecida, desenvolvida e fomentada”, como afirma Giselle Câmara Groeninga, primeiramente “dentro da família, e no seio das instituições, aprendemos a interpretar os afetos, a realidade e a lei”, assim também se aprende a “balizar a agressividade e desenvolvemos formas de dar e receber amor, as quais vão se transformar em solidariedade – um capital essencial para o exercício da cidadania”, conclui a autora (GROENINGA, 2003, p. 102), de onde se extrai a importância do tema da guarda compartilhada, quando extinta a sociedade familiar.
O estudo da guarda compartilhada faz-se relevante e deve ser intensificado, à medida que contribui para a recuperação de uma apreciação ética das relações de filiação, de modo absolutamente necessário e complementar ao exercício conjunto da autoridade parental. A utilização teórica de ambas as categorias, como instrumentos integrados de atuação dos princípios constitucionais, destinadas à tutela das situações existenciais na formação e no desenvolvimento da personalidade do filho, mostra-se provavelmente como o desafio hermenêutico mais árduo para a concreção da dignidade humana em matéria de filiação (TEPEDINO, 2004, p. 321-322).
A atribuição da guarda dividida ou exclusiva a um dos ascendentes, gerando ao outro o direito de visitas, não condiz mais com a realidade atual da sociedade, além disso, não garante à criança o pleno desenvolvimento de sua personalidade, contrariando o princípio da dignidade humana. Apesar disso, na legislação pátria não há disposição expressa a respeito do estabelecimento da guarda compartilhada, fundamentando a doutrina a possibilidade de sua instituição com base no texto do art. 1.583, quando há consentimento dos pais, ou mesmo, a critério do juiz, em casos litigiosos, sempre pautando a decisão no melhor interesse da criança.
Na tentativa de suprir esta ausência de lei, há alguns projetos tramitando na Câmara dos Deputados, em especial o Projeto de lei nº 6.350 de 2002 que prevê alterações no Código Civil estabelecendo as situações em que poderá ser instituída a guarda compartilhada, delineando seu conceito inclusive[1].
Importante estudo consta da Justificativa do projeto que situa a guarda compartilhada como
(...) um tipo de guarda onde os pais e mães dividem a responsabilidade legal sobre os filhos ao mesmo tempo e compartilham as obrigações pelas decisões importantes relativas à criança. É um conceito que deveria ser a regra de todas as guardas, respeitando-se evidentemente os casos especiais. Trata-se de um cuidado dos filhos concedidos aos pais comprometidos com respeito e igualdade.
Na guarda compartilhada, um dos pais pode deter a guarda material ou física do filho, ressalvando sempre o fato de dividirem os direitos e deveres emergentes do poder familiar. O pai ou a mãe que não tem a guarda física não se limita a supervisionar a educação dos filhos, mas sim participará efetivamente dela como detentor de poder e autoridade para decidir diretamente na educação, religião, cuidados com a saúde, lazer, estudos, enfim, na vida do filho (BRASIL, 2002, p. 14.793).
Como se pode constatar, diversamente da previsão legal, estatuída no art. 1.584 que define a guarda “a quem revelar melhores condições para exercê-la”, na guarda compartilhada ambos pais participam, efetivamente das decisões importantes referentes à vida do filho, o que poderá ser a solução para a família, justamente porque a separação ou o divórcio cessam o casamento ou seus efeitos, porém não aniquila a família, devendo haver ajustes para propiciar o desenvolvimento dos menores envolvidos em tais circunstâncias.
A guarda dividida ou exclusiva não garante o desenvolvimento da criança e não defere aos pais tratamento de igualdade, pois, como a própria redação do art. 1.589 define, àquele privado da guarda dos filhos “poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”, conferindo-lhe, portanto, um tratamento de coadjuvante no processo de desenvolvimento dos filhos.
É certo que esta disposição além de ferir o direito à igualdade estabelecido na Constituição Federal, atribui a quem foi privado da guarda, apenas o direito de visita, devendo inclusive submeter-se muitas vezes, às regras e determinações traçadas pelo detentor da guarda, e isto com um grau de maior prejuízo porque àquele tem o respaldo legal, podendo submeter o outro aos seus caprichos e quando não, ao distanciamento dos filhos.
Este tipo de comportamento acarreta severos traumas na família desconstituída, o afastamento das pessoas configura, neste contexto, o primeiro passo para a extinção dos vínculos sentimentais até então existentes, transformando o afeto positivo, em negativo, o amor em ódio e no centro desse tormento crianças em formação devem merecer o zelo necessário para que as desventuras não lhes impossibilitem o crescimento e a conquista da dignidade.
3. A valoração do afeto na ciência jurídica
Neste momento se pode observar que o amor, o sentimento de união deve estar presente, especialmente o amor que une pais e mães aos seus filhos e filhas, olvidando os problemas enfrentados pelos adultos, com a preocupação voltada às crianças e adolescente. Deve se levar em conta que o amor, tanto para o ser humano, como para a sociedade organizada é muito importante. É, sem sombra de dúvida, o mais alto sentimento despertado na vivência em comunidade. Na expressão de Guilherme Assis de Almeida, “o amor deve ser a mais estimada de todas as coisas existentes. Esclareça-se que o amor, assim como os outros valores, é uma coisa, mas não algo concreto, palpável. Por sua própria natureza é inexaurível, jamais se esgota, sempre podemos amar mais e melhor” (ALMEIDA, 2005, p. 01).
Apesar da importância que o amor representa para a pessoa e para a sociedade, não se discutia, até pouco tempo atrás, sua relevância na seara jurídica. O fato é que de uma forma ou de outra, o patrimônio sempre ocupou lugar de destaque na legislação codificada, desde o advento do código de Napoleão.
A defesa da relevância do afeto, do valor do amor, torna-se muito importante não somente para a vida social. Mas a compreensão desse valor, nas relações do Direito de Família, leva à conclusão de que o envolvimento familiar, não pode ser pautado e observado apenas do ponto de vista patrimonial-individualista. Há necessidade da ruptura dos paradigmas até então existentes, para se poder proclamar, sob a égide jurídica, que o afeto representa elemento de relevo e deve ser considerado para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.
Veja-se que a alteração na estrutura do modelo familiar relativizou a função que cada membro da família ocupa, pois não se prende mais, naquela disposição tradicional: pai, mãe e filho; ao primeiro cabendo o comando e a gestão do lar. Outras e variadas configurações familiares rompem as correntes da família matrimonializada, que já não corresponde mais às relações de fato em que se envolvem as pessoas no tempo contemporâneo.
O amor está desfazendo o círculo neurótico, instituído por aquela formação familiar, como escreveu Giselle Câmara Groeninga, e passa a ocupar outra posição nesta nova estrutura, unindo pessoas por laços abstratos e num fim fraterno comum: o desenvolvimento pessoal, através do núcleo familiar.
Neste passo, o direito não acompanhou as alterações sociais, não se atribuiu, no ordenamento, pelo menos expressamente, valor ao afeto. Está a doutrina laborando intensamente para implantar esta nova visão independente e desvinculada do valor econômico apenas. Este trabalho é árduo e está no início, pois de um ponto de vista extremamente legalista, defender sua irrelevância, prevalecendo o elemento biológico, como ponto fundamental a sustentar a relação entre pai e filho é ainda comum nos litígios que batem às portas do judiciário brasileiro, tendo em vista o apego ao paradigma até então existente, para citar o exemplo da relevância deste aspecto em detrimento do amor.
Exemplos dessa afirmação são citados por Fernanda Otoni de Barros, em seu livro “Do direito do Pai”, quando confronta a paternidade biológica com a paternidade, por ela chamada, ‘social’, em casos práticos e reais, ocorridos no judiciário mineiro. No primeiro deles, ela relata um processo de investigação de paternidade de filha, proposto pela mãe, que até aquele momento tinha como pai o companheiro da mãe. A completar a trama, o pai biológico não tem qualquer relação com a filha e não quer assumir a paternidade, enquanto o “pai-social” não abre mão de seu direito de pai, mesmo sabendo que a filha é adulterina. Indaga a autora: “Quem é o pai?” (BARROS, 2001, p. 74-79).
No caso citado, prontamente se observa o elemento biológico em contraposição ao elemento afetivo, ou seja, a paternidade biológica, como um valor, fazendo frente à paternidade social, afetiva, num verdadeiro conflito valorativo. Além disso, imperioso anotar que neste exemplo, julgado o processo, o pai biológico tornou-se pai de direito da criança, com toda conseqüência decorrente do dever de paternidade, inclusive, com a troca do nome da criança e conseqüente exclusão do nome do ‘pai social’, apesar da insistência e insatisfação deste com o processo e com a justiça. Tal decisão acarretou incômodo na autora que observou no encerramento do processo, a possibilidade da psicanálise contribuir para a ciência do direito, especialmente na seara da filiação (BARROS, 2001, p. 78).
Cabe um parêntese para lembrar a lição de Gustavo Tepedino que entende que “as relações de Direito Civil, são postas, ainda, a partir de relações de afeto, amor e solidariedade” e prossegue defendendo que a figura do pai e da mãe
(...) parecem insubstituíveis nessas relações de vida inseridas na família. Ao contrário de desenvolvermos técnicas que possam parecer destinadas a superar a realidade cultural, em que vivemos, na verdade, temos técnicas terapêuticas para suprir deficiências humanas, para atender à pessoa para, excepcionalmente, prolongar e gerar vida, e não para suprir, pura e simplesmente, a falta de afeto e de amor que se dá no seio da família.
Esta é a realidade em que vivemos: uma ordem jurídica constitucional que avocou para as relações de Direito Privado, em particular para as relações de família, a dignidade da pessoa humana como valor central, superando todos os outros interesses patrimoniais, institucionais, matrimoniais ou ideológicos que pudessem, por assim dizer, se sobrepor na escolha de princípios ou nas novas técnicas legislativas (TEPEDINO, 2002, p. 52).
Não resta dúvida que o desenvolvimento da pessoa, de forma a alcançar a dignidade como e enquanto pessoa, será possível desde que haja respeito pelo ser humano que representa a criança em desenvolvimento, com seus medos, anseios e frustrações, e acima de tudo, com seus vínculos afetivos estabelecidos desde o nascimento, na coletividade familiar.
Noutro exemplo, ainda a autora, confronta o direito do pai biológico que pretende a manutenção do vínculo com a filha, após a separação do casal, e ingressa em juízo para a regulamentação de visitas, pela proibição da mãe em lhe conceder este direito. Observa, quando da procedência do seu pleito, que a filha foi adotada pelo atual companheiro da mãe, rompendo assim, qualquer vínculo com ele; novamente a indagação que não cala e permeia, na obra a presença do valor do afeto: “Quem é o pai?”
A esta altura, importante o testemunho narrado, com a alteração imposta ao rumo trilhado no início da pesquisa, quando, relata:
(...) eu tinha uma suposta resposta à questão inicial, ou seja, o pai é aquele que cria, que simbolicamente empresta seu nome e seu corpo na constituição da criança e no seu laço social, o campo jurídico devendo legitimar sua função simbólica e reconhecê-lo, agora eu tinha várias outras questões: e o pai biológico, qual deverá ser a sua função e qual legitimidade lhe é possível? E o desejo da mãe? Quem pode dizer o nome do pai? Só a mãe pode declarar o pai ao filho? O pai que ela desejar, quando o desejar? (BARROS, 2001, p. 86).
Neste caso concreto, facilmente se observa o conflito estabelecido entre a paternidade biológica, pretendendo ser também social, em contrapartida à paternidade adotiva, estabelecida através de uma suposta relação social, com flagrante fraude aos direitos do primeiro. Outra oportunidade de se observar o valor que o afeto representa para a constituição das relações familiares, bem como, o engessamento das normas do direito de família, diante da dificuldade em reconhecê-lo.
Finalmente, porém não menos importante, o derradeiro exemplo da autora, trazido sob o título “paternidade plural”, demonstra a existência do conflito entre a paternidade afetiva e a biológica, desnudando, mais uma vez a relevância do afeto, como um valor. Neste, o relato de um processo de separação judicial litigiosa, onde a mãe confessa ao pai da criança a possibilidade de ser outro o seu pai biológico. Tal suspeita é confirmada na instrução do processo e o pai biológico se dispõe a reconhecer a paternidade, encontrando óbice porque o “pai social” não quer sucumbir em seus direitos paternos, diante da existência do vínculo de afeto entre ele e a criança.
Causa surpresa o desfecho da história, quando o pai biológico pretende o reconhecimento da paternidade, dada a separação, onde o “pai social” declarou em acordo a inexistência de filhos e de bens, apesar de ter lutado para a manutenção do vínculo e o Ministério Público manifesta contrariamente, afirmando que a filiação não tem caráter privado. “Os pais de uma criança não podem decidir, quando querem, do jeito que querem, quem é o pai e quem não é. Filiação é um registro público, um direito indisponível e personalíssimo do filho e que não pode ser regulado por acordos e contratos particulares” (BARROS, 2001, p. 91).
Os filhos são realmente conquistados pelo coração, obra de uma relação de afeto construída a cada dia, em ambiente de sólida e transparente demonstração de amor a pessoa gerada por indiferente origem genética, pois importa ter vindo ao mundo para ser acolhida como filho de adoção por afeição. Afeto para conferir tráfego de duas vias a realização e a felicidade da pessoa. Representa dividir conversas, repartir carinho, conquistas, esperanças e preocupações; mostrar caminhos, aprender, receber e fornecer informação. Significa iluminar com a chama do afeto que sempre aqueceu o coração de pais e filhos sócioafetivos, o espaço reservado por Deus na alma e nos desígnios de cada mortal, de acolher como filho aquele que foi gerado dentro do seu coração (MADALENO, 2004, p. 08).
Sob tal argumento é possível se encher de esperanças para estabelecer no mundo jurídico mais uma vez, que o afeto é um valor, inerente à formação da dignidade humana, tal como o direito à herança genética, guardadas as proporções. Não pode, por isso, ser esquecido ou simplesmente rejeitado das lides forenses, em especial no direito de família, onde a formação individual, para o convívio social encontra sua primeira base de desenvolvimento.
Assim, nas quedas patrimoniais, tão comuns no direito, ao afeto deve ser aberto debate sobre o seu valor. Não um valor pecuniário, revertido no aspecto financeiro, em moeda corrente, como mero capital ou elemento de troca, mas um valor inerente à formação da pessoa humana, implícito na sua dignidade para sua formação pessoal.
Sob o manto do princípio da dignidade humana, os tribunais passam a reconhecer o valor do afeto, conforme se depreende da decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, prestigiando a filiação socioafetiva, com o seguinte aresto:
Negatória de paternidade. Adoção à brasileira. Confronto entre a verdade biológica e a socioafetiva. Tutela da dignidade da pessoa humana. Procedência. Decisão reformada.1. A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade socioafetiva, decorrente da denominada ‘adoção à brasileira" isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade socioafetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento da realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular "adoção à brasileira", não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado. (Tribunal de Justiça do Paraná, Apelação Cível nº 108.417-9, 2ª Câm. Civ., Rel. Des. Accácio Cambi, v.u., j. 12.12.2001)
Outra questão inquietante, que nega qualquer valor ao vínculo amoroso formado entre cônjuges diz respeito à perquirição de culpa para a dissolução do matrimônio. Ora, como se o fato de constituir advogado para um processo de separação, fazer todas as provas, enfrentar o judiciário moroso, exercer o direito de ação, já não constituísse prova suficiente para concluir pela necessária dissolução do enlace, pela conclusão do fim do sentimento que mantinha unido o casal.
Com o advento do Código Civil de 2002 já há entendimento de não haver, necessariamente, a obrigação de produção e indicação da culpa do cônjuge na separação, como se observa do aresto do Tribunal de Justiça de Sergipe, com a seguinte ementa:
SEPARAÇÃO JUDICIAL –Ação litigiosa – Magistrado que decreta a separação sem buscar e imputar a qualquer das partes a causa e o culpado pela ruptura do casamento – Admissibilidade, se manifestado pelos cônjuges, de forma inconteste, o firme propósito de pôr fim ao vínculo conjugal.
Ementa Oficial: Manifestado pelos cônjuges, através da inaugural e contestação, o propósito firme de se separarem, deve o magistrado decretar a separação, independentemente de buscar e imputar a qualquer das partes a causa e o culpado pela ruptura do casamento. (Ap 0718/2003 – Segredo de Justiça – 1ª Câm. – j. 08.03.2004 – rel. Des. Fernando R. Franco) RT 826/363
Como fundamento desta decisão, há referência expressa à jurisprudência já dominante do Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido, negando a necessidade de se comprovar a culpa, o que pode ser permitido supor que cessou, dentro daquele enlace, qualquer vínculo de amor entre as pessoas, pois pretendem a extinção da vida comum:
Direito Civil. Direito de Família. Separação por conduta desonrosa do marido. Prova não realizada. Irrelevância. Insuportabilidade da vida em comum manifestada por ambos os cônjuges. Possibilidade da decretação da separação. Nova orientação. Código Civil de 2002 (art. 1.573). Recurso desacolhido.
Na linha de entendimento mais recente e em atenção às diretrizes do novo Código Civil, evidenciado o desejo de ambos os cônjuges em extinguir a sociedade conjugal, a separação deve ser decretada, mesmo que a pretensão posta em juízo tenha como causa de pedir a existência da conduta desonrosa. (REsp. 433206 – Quarta Turma – j. 07.04.2003 – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)
Por “insuportabilidade da vida em comum” pode ser entendida ausência de amor, pois onde há afeto, amor, há comunhão e desejo de crescimento a dois, o que não pode ser encontrado, por certo, quando esta vontade já não se corresponde entre os cônjuges. Assim, não se falar em culpa ou causa da separação, imputando um responsável pelo fracasso do casamento, pode ser considerado avanço para o reconhecimento da dignidade da pessoa, e mais, para o reconhecimento do afeto como elemento importante para esta realização.
Nas linhas de Sérgio Resende de Barros, em “A ideologia do afeto” é possível concluir que a culpa não é fator para a decretação da extinção do vínculo conjugal, haja vista a existência de outro elemento importante pois em verdade,
(...), o que identifica a família é um afeto especial, com o qual se constitui a diferença específica que define a entidade familiar. É o sentimento entre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo convívio diuturno, em virtude de uma origem comum ou em razão de um destino comum, que conjuga suas vidas tão intimamente, que as torna cônjuges quanto aos meios e aos fins de sua afeição, até mesmo gerando efeitos patrimoniais, seja de patrimônio moral, seja de patrimônio econômico. Este é o afeto que define a família: é o afeto conjugal. Mais conveniente seria chamá-lo afeto familiar, uma vez que está arraigada nas línguas neolatinas a significação que, desde o latim, restringe o termo cônjuge ao binômio marido e mulher, impedindo ou desaconselhando estendê-lo para além disso (BARROS, 2002, p. 8).
Dessa maneira, quando não existe afeto, não há amor, uma sanção já foi imposta à sociedade conjugal; sua falência, pois a vida a dois não pode ser concebida inexistindo o laço de união afetiva entre os cônjuges. Obrigar seja provada a culpa pelo término da relação, sob o ponto de vista da relevância do afeto, seria o mesmo que implantar um sistema de “bis in idem” condenatório para aqueles que já sofreram com o fracasso na constituição da família a qual se dispuseram.
O autor vai ainda mais longe, defendendo a relevância do afeto e a alteração do texto constitucional, pois a família se conjuga com o amor, muito embora o pensamento da família parental, embasada no patriarcalismo defender de forma diversa,
(...) o fato é que não é requisito indispensável para haver família que haja homem e mulher, nem pai e mãe. Há famílias só de homens ou só de mulheres, como também sem pai e mãe. Ideologicamente, a atual Constituição brasileira, mesmo superando o patriarcalismo, ainda exige o parentalismo: o biparentalismo ou o monoparentalismo. Porém, no mundo dos fatos, uma entidade familiar forma-se por um afeto tal – tão forte e estreito, tão nítido e persistente – que hoje independe do sexo e até das relações sexuais, ainda que na origem histórica não tenha sido assim. Ao mundo atual, tão absurdo é negar que, mortos os pais, continua existindo entre os irmãos o afeto que define a família, quão absurdo seria exigir a prática de relações sexuais como condição sine qua non para existir a família. Portanto, é preciso corrigir ou, dizendo com eufemismo, atualizar o texto da Constituição brasileira vigente, começando por excluir do conceito de entidade familiar o parentalismo: a exigência de existir um dos pais (BARROS, 2002, p. 9).
Com isso, fica patente o destaque do afeto nas uniões familiares e o valor que lhe deve ser atribuído pelo direito, para cumprir o seu papel na formação e acabamento da pessoa humana, de forma a cumprir o princípio da dignidade da pessoa humana.
4. Responsabilidade civil pelo desamor?
Este valor, ao qual se fez referência, foi considerado em contraposição a outro ou a outros valores. Houve, neste estudo até aqui, a preocupação especial em contrapor o afeto aos valores como a culpa (nos casos de ruptura do casamento) e ao valor biológico (em conflitos entre paternidade biológica e paternidade social), por exemplo, sem considerar o valor do afeto no aspecto pecuniário.
Conforme afirma Nicola Abbagnano, o uso da expressão ‘valor’ pela filosofia “só começa quando, seu significado é generalizado para indicar qualquer objeto de preferência ou de escolha, o que acontece pela primeira vez com os estóicos”, eles foram os primeiros “que introduziram o termo no domínio da ética e chamaram de valores os objetos de escolha moral” (ABBAGNANO, 2003, p. 989).
É também a partir da mesma época que tende a reproduzir-se, no campo da teoria dos valores, uma divisão análoga à que caracterizara a teoria do bem: entre um conceito metafísico ou absolutista e um conceito empirista ou subjetivista do valor. O primeiro atribui ao valor um status metafísico, que independe completamente das suas relações com o homem. O segundo considera o modo de ser do valor em estreita relação com o homem ou com as atividades humanas. A primeira concepção é motivada pela intenção de subtrair o valor, ou melhor, determinados valores e modos de vida neles fundados, à dúvida, à crítica e à negação: essa intenção parece pueril, se pensarmos que o valor mais solidamente ancorado na consciência dos homens e que mais paixões provoca também é o valor mais mutável e relativo, a tal ponto que às vezes os filósofos se recusam pudicamente a considerá-lo autêntico: o valor-dinheiro (ABBAGNANO, 2003, p. 990).
É sob este prisma, do “valor-dinheiro” que se passará a analisar o afeto ou sua ausência de agora em diante, motivado especialmente por algumas decisões do Judiciário brasileiro, ora atribuindo, ora negando valor pecuniário, a título de reparação de danos, resolvendo a deficiência do enlace afetivo através de indenização em moeda.
Tem-se observado, nestes casos, que o fundamento para amparar a pretensão está circunscrito no âmbito da responsabilidade civil, afastando-se a competência do juízo da família e os princípios deste ramo do direito para a fundamentação do dever de reparar, ou então, da não obrigatoriedade de reparação.
Sem ingressar profundamente no mérito desta questão, na pretensão exclusiva de se abrir o debate, parece que a controvérsia não ficará bem situada unicamente na esfera da responsabilidade civil, uma vez que as relações de família são especiais, incidindo sobre elas princípios e circunstâncias peculiares do direito de família. Dessa forma, é possível defender o direito de família, como sendo o mais apto a enfrentar tais casos, com uma análise mais acurada, própria desse ramo, dentro da ótica da ‘repersonalização do direito civil’, eis que a pessoa humana deve ser o centro da atenção e não a existência ou inexistência da relação de afeto porventura existente, claro sem se olvidar da relevância que o amor representa para a formação da pessoa.
Lafayette Pozzoli já atentou para o que escreveu Jacques Maritain, no livro “Humanismo Integral”, ensinando “que o ser humano deve realizar uma obra comum na terra: o amor”, segundo ele, “o verdadeiro fim da humanidade está em realizar uma vida comum terrena, um regime temporal de acordo com a dignidade humana e o amor”, sendo este, sem dúvida, “um trabalho árduo e heróico e que exige força de vontade, paciência e, sobretudo, fé de cada pessoa” (POZZOLI, 2003, p. 108-109).
Não se trata de atribuir, simplesmente, valor pecuniário para o desamor, nem mesmo responsabilizar a pessoa pela ausência deste sentimento nas relações de família. Se a discussão ficar restrita a este prisma não se atingirá o seu ponto fundamental, ou seja, a sua grande importância para a própria formação da pessoa.
As questões sem respostas, pelas quais atravessa a sociedade atual, encontram reflexo na família moderna, pois todo “abandono sofrido pelas crianças mimadas de hoje – qualquer que seja a composição familiar a que pertençam – é o abando moral”, como afirma Maria Rita Kehl, e conclui que não é o fato de
(...) a mãe, separada do pai, passa muitas horas por dia trabalhando; não é porque um pai decidiu criar sozinho os filhos que a mãe rejeitou; ou porque um casal jovem só tenha tempo para conviver com a criança no fim da semana. O abandono, e a conseqüente falta de educação das crianças, ocorre quando o adulto responsável não banca sua diferença diante delas.
Fora isso, sabemos que todos os “papéis” dos agentes familiares são substituíveis – por isso é que os chamamos de papéis. O que é insubstituível é um olhar de adulto sobre a criança, a um só tempo amoroso e responsável, desejante de que esta criança exista e seja feliz na medida do possível – mas não a qualquer preço. Insubstituível é o desejo do adulto que confere um lugar a este pequeno ser, concomitante com a responsabilidade que impõe os limites deste lugar. Isto é que é necessário para que a família contemporânea, com todos os seus tentáculos esquisitos, possa transmitir parâmetros éticos para as novas gerações (KEHL, 2003, p. 176).
Por isso, se admite que não será atacada a causa do problema, restando apenas o contentamento superficial e abrandado apego ao efeito. Deve ser anotado que a alteridade, o respeito pela pessoa do Outro há de ser levada em primeira discussão, até que ponto está existindo, na aplicação do direito, a consideração do Outro e para o Outro? O debate, tratado apenas sob o prisma da responsabilidade civil, permanece cingido sobre a valoração do amor ou a resolução em perdas e danos ocasionada diante do desamor, não se vislumbrando da sua imperiosa necessidade na formação da dignidade da pessoa humana.
Não se observa nos relacionamentos de hoje, o diálogo a que se referiu Montoro, entre a “pessoa-sociedade”, o que torna tenso e preocupante o ambiente, pois como ele próprio anunciou, “é através do diálogo que a pessoa toma consciência de sua situação e de seus problemas e é, também, através do diálogo que o grupo social se constitui como realidade sociocultural”, devendo estar, “assim, na origem e na continuidade dinâmica da ‘pessoa’ e da ‘sociedade’. Da pessoa humana real e da sociedade historicamente atuante” (MONTORO, 1995, p. 213).
Diante dessa realidade, surge a necessidade de se resgatar valor para o amor, não apenas em processos de indenização, propostos por filhos contra pais relapsos que lhes negaram o direito ao pleno desenvolvimento[2], sob a égide do abandono moral, mas um valor inerente à família e porque não, à dignidade da pessoa humana, dada sua importância na construção da pessoa, como fim em si mesma.
Diante destas ponderações é possível concluir, sem entretanto, ter a pretensão de suplantar outras conclusões e outros fundamentos para o assunto, que o amor representa elemento indispensável e imprescindível para a formação, desenvolvimento e o aperfeiçoamento do princípio da dignidade humana.
Para alcançar o pleno desenvolvimento, que tem início na infância, não resta dúvida que esta fase da vida deve ser protegida e amparada, em especial pelos agentes do direito, para se permitir o avanço de etapas e a conquista da pessoa como fim em si mesma e como ser independente.
O debate sobre a guarda, em especial da guarda compartilhada, deve permear a preocupação dos juristas afeitos ao direito de família, sobretudo nesta época em que a família não mais corresponde ao modelo patriarcal instituído e embasado apenas pelo casamento, devendo ainda, ser observado que o modelo de guarda exclusiva já não corresponde mais o caminho para a conquista da auto-afirmação da pessoa.
Isso, levando em conta, a relevância do afeto nas relações de família, o que começa a ser reconhecido pelos Tribunais superiores, possibilitando assim, discussão acerca dos arestos já estabelecidos. Vê-se por outro lado, com certa preocupação, a resolução do afeto ou melhor, da sua falta, em perdas e danos, haja vista que esta controvérsia deixa ao abandono a pessoa, especialmente a pessoa do Outro, a quem se deve dirigir o afeto na sua formação.
Além disso, cada caso concreto deve ser analisado com a prudência devida, especialmente tendo em vista o ordenamento jurídico que estabelece a guarda exclusiva, como o brasileiro, restando àquele que não a tem, apenas o ‘direito de visitas’, bem como, a submissão, muitas vezes ao capricho e manobras de quem efetivamente detém a guarda da criança.
A vida, não se discute mais, é grande o seu valor. O amor, imprescindível para o aperfeiçoamento da vida também deve ter o seu valor reconhecido.
Bibliografia:
BARROS, Fernanda Otoni de. Do direito ao pai. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
BARROS, Sérgio Resende de. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v. 4, n. 14, jul/set, 2002, p. 05-10.
BRASIL. Projeto de lei nº 6.350 de 2002. Define a Guarda Compartilhada. Diário da Câmara dos Deputados, Pode Legislativo, Brasília, DF, 10 abr. 2002, p. 14792-14794.
CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. Tradução Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Martins Fontes, 1ª Edição 1994, 4ª tiragem, Março de 2005.
GROENINGA, Giselle Câmara. O direito a ser humano: da culpa à responsabilidade. In Direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 95-106.
FROMM, Erich. A arte de amar. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
_______. A descoberta do inconsciente social: contribuição ao redirecionamento da psicanálise. [tradução Lúcia Helena Siqueira Barbosa] São Paulo: Manole, 1992.
KEHL, Maria Rita. Em defesa da família tentacular. In: GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Direito de Família e Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 163-176.
MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
_______. Filhos do coração. 2005. Disponível em:
MAY, Rollo. O homem à procura de si mesmo. Trad. Áurea Brito Weissenberg. Petrópolis: Editora Vozes, 2004.
MONTORO, André Franco. Estudos de filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1995.
POZZOLI, Lafayette. Maritain e o direito. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
_______. Cultura dos direitos humanos. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 40, n.159, jul/set. 2003.
TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-constitucional. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha [coord.]. Afeto, Ética, Família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
_______. Clonagem: pessoa e família nas relações do direito civil. Revista CEJ, Brasília, n. 16, p. 49-52, jan/mar. 2002.
Notas:
[1] Referido projeto acrescenta ao art. 1583 do Código Civil dois parágrafos com a seguinte redação: “§ 1º O juiz, antes de homologar a conciliação, sempre colocará em evidência para as partes as vantagens da guarda compartilhada. § 2º Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização do dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da convivência, em que os pais participam igualmente a guarda material dos filhos, bem como os direitos e deveres emergentes do poder familiar.” O mesmo projeto define nova redação ao art. 1.584, também do Código Civil, nos seguintes termos: Art. 1.584. Declarada a separação judicial ou a (sic) divórcio ou separação de fato sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá a (sic) sistema da guarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não haja possibilidade, atribuirá a guarda tendo em vista o melhor interesse da criança. § 1º A Guarda poderá ser modificada a qualquer momento atendendo sempre ao melhor interesse da criança”.
[2] Veja a respeito REsp nº 757411/MG, j. 29.11.2005."
Fonte: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1066
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Terezinha Fleury
NOSSA JUSTIÇA - Quem vai pagar pela morte de Sophie?
"O austríaco Sascha Zanger, pai da menina Sophie, de 4 anos, que morreu vítima de traumatismo craniano, sexta-feira passada, na Baixada Fluminense, não tem nenhuma dúvida e não precisa pensar duas vezes para responder à pergunta do título:“A culpa é da Justiça. A justiça brasileira cometeu muitos erros”.Zanger lutava há um ano e meio na Justiça para conseguir a guarda de Sophie e do seu irmão de 12 anos, os dois filhos que teve com a brasileira Maristela dos Santos. No começo do ano passado, assim como aconteceu no caso do menino S., de 9 anos, filho do norte-americano Davi Goldman, a mãe viajou com as crianças da Áustria para o Brasil sem a permissão do pai.Inconformado com a morte da filha, que a Justiça deixou nos últimos dois meses sob a guarda de uma irmã de Maristela, Giovana dos Santos Viana, Zanger conta que já veio quatro vezes ao Brasil e gastou mais de 100 mil euros com advogados, mas não conseguiu levar a filha com vida de volta à Áustria. Agora, quem vai pagar pela morte de Sophie? Como o pai suspeita que a menina tenha sido espancada pela tia, na semana passada a Justiça transferiu a guarda do irmão para a madrasta de Marlene de Souza. Segundo Zanger, Marlene sofre de doença mental, razão da separação em 2006, e está desaparecida desde abril.O leitor deverá me perguntar como é possível? Se o pai biológico está vivo e quer os filhos de volta, como é que a Justiça brasileira os coloca sob a guarda de uma tia e, agora, entrega o menino para a madrasta da mãe? No Brasil, os enredos inverossímeis envolvendo a nossa Justiça não só acontecem, como se repetem. A exemplo de Goldman, que há quatro anos luta para reaver a guarda do filho S., levado de sua casa nos Estados Unidos pela mãe brasileira, falecida no ano passado, Zanger evoca a Convenção de Haia, um tratado internacional assinado pelo Brasil.“Trata-se de um caso de sequestro internacional de criança, previsto na convenção. Se o juiz tivesse me autorizado a levar as crianças, isso não teria ocorrido. Tudo o que eu quero agora é levar meu filho, que é o que me resta, e logo”.E o que é que a Justiça brasileira ainda está esperando para devolver logo o menino à guarda do pai? Está esperando acontecer outra tragédia?Não é preciso ter diploma, como diz o doutor Gilmar Mendes, nem ser advogado para constatar que se trata de uma aberração jurídica e, mais do que isso, uma desumanidade que se faz com o pai de Sophie."
Fonte:Balaio do Kotscho.
Fonte:Balaio do Kotscho.
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Terezinha Fleury
sábado, 20 de junho de 2009
STJ confirma sentença sobre alienação parental
By Terezinha Araújo Fleury
O assunto "alienação parental" é relativamente novo no ordenamento jurídico vigente.
O STJ manteve, na integra, sentença proferida pela Juiza da 3a Vara de Família e Sucesões de Goiânia, Goiás.
A irretocável decisão, inverteu a guarda dos filhos em favor do pai, considerando a prática de alienação parental, realizada pela mãe, que detinha a guarda dos filhos. Na integrao teor do julgado:
"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. MENOR. AÇÕES CONEXAS DE GUARDA, DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULA, DE EXECUÇÃO E OUTRAS. GUARDA EXERCIDA PELA MÃE. MUDANÇA DE DOMICÍLIO NO CURSO DA LIDE. IRRELEVÂNCIA. CPC, ART. 87. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
Prevalece o art. 87 do CPC sobre a norma do art. 147, I, do ECA, que tem natureza absoluta quando, em curso a ação originária, proposta regularmente no foro de residência do menor, o detentor da guarda altera seu domicílio.
II. Precedentes do STJ.
III. Inexistência de circunstância excepcional a indicar solução diversa.
IV. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia, GO, o suscitado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do conflito de competência e declarar competente a 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia/GO, a suscitada, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região) e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.
Brasília (DF), 24 de setembro de 2008 (Data do Julgamento) MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Relator Documento: 822579 - DJ: 29/10/2008 Página 1 de 23
Superior Tribunal de Justiça
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 94.723 - RJ (2008/0060262-5)
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: - Cuida-se de conflito positivo em que é suscitante o Juízo de Direito de Paraíba do Sul, Estado do Rio de Janeiro, e suscitado o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia, Estado de Goiás.
No Juízo suscitante tramita, desde 07.12.2007, a ação de modificação de cláusula n. 2007.040.002105-8, movida por M. T. C. R. e P. T. C. R., menores impúberes, representados por sua mãe, G. T. C. R., em face do pai, M. A. R., na qual foi deferida tutela antecipatória para afastar os filhos do convívio paterno.
Na 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia, GO, tramitaram ou tramitam as ações de separação de corpos e guarda provisória, distribuída em 25.02.2003 (fl. 58); homologação de divórcio em ação de conversão da separação, datada de 09.06.2005 (fl. 20); execução de acordo n. 200602330887, de iniciativa do pai; revisional de cláusula de visita n. 200602360778, de autoria da mãe contra o pai, proposta em 11.08.2006 (fl. 113), já com sentença de improcedência; e de guarda e posse, n. 200705184158, aforada pelo pai contra a mãe.
A narrativa constante da inicial do feito de modificação relata que o pai é pessoa violenta e que praticou abuso sexual contra a filha, causando a conseqüente evasão dos autores com apoio do PROVITA, Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, fixando posteriormente residência em sigilo na comarca fluminense até que posteriormente o deixaram.
Contrariamente, a decisão concessiva de tutela na ação de obtenção de guarda movida pelo pai (n. 200705184158) elucida que a mãe sofre de profundos problemas Documento: 822579 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2008 Página 2 de 23 Superior Tribunal de Justiça psicológicos denominados de Síndrome de Alienação Parental (fl. 133), causadores de todas as denúncias de atitudes nefastas contra M. A. R., e que induz as crianças a denegrirem a imagem paterna, contra quem nenhuma alegação foi comprovada nem indício algum foi diagnosticado nos estudos dos especialistas que auxiliam o Juízo (fl. 129), mas que confirmam o distúrbio que acomete G. T. C. R., bem como que a mudança repentina dos primeiros autores de Goiânia ocorreu nos dias seguintes à sentença, datada de 30.11.2006, que julgou improcedente também esta tentativa de alijar o pai do convívio com os filhos menores.
M. A. R. peticiona às fls. 176/213, alegando que o direito pleiteado na ação em Paraíba do Sul é da mãe, não dos menores, que são parte ilegítima, além de enumerar outras irregularidades processuais; ressalta a prevenção do Juízo de Goiás e a existência de patologia psicológica da mãe, promovendo ainda a juntada dos documentos de fls. 215/1.376.
Parecer do douto Ministério Público Federal, da lavra do Dr. Fernando H.O. de Macedo, no sentido da competência do Juízo de Paraíba do Sul, onde a mãe, que detém a guarda regularmente, fixou moradia com os filhos (fls. 1.378/1.382).
É o relatório.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 94.723 - RJ (2008/0060262-5)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): Os órgãos judiciais mencionados inequivocamente praticaram atos de processamento das ações, o primeiro expressamente deferindo tutela antecipada para assegurar a suspensão de visitas do pai, e o segundo, que impulsiona o caso desde a separação de corpos e guarda provisória, de 25.02.2003 (fl. 58), depois a homologação do divórcio, em ação de conversão da separação ajuizada em 09.06.2005 (fl. 20), ainda a ação revisional de cláusula, datada de 11.08.2006 (fl. 113), já sentenciada, e a ação para obtenção de guarda, posse e responsabilidade, de autoria de M. A. R. (n. 200705184158), na qual foi deferida tutela em favor do pai (fls. 127/141).
O Juízo suscitante assim fundamentou o deferimento da medida de urgência (fls. 100/104):
"Cuida-se de pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional formulado no bojo de ação que adota o rito ordinário, com o fim de que seja determinada a suspensão das visitas do genitor, até que seja providenciado o devido preparo psicológico dos menores e eventual restabelecimento do convívio com aquele.
O pedido em análise tem como fundamento o fato de que, após um longo histórico de agressões e ameaças perpetradas pelo genitor contra sua ex-esposa e filhos, que passaram a fazer parte do programa de proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas.
Concomitantemente à inclusão no programa de proteção, estava em curso uma ação com pedido de modificação de cláusula, na qual foi deferida a antecipação de tutela pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no sentido de suspender a visitação do pai, diante do extremo desequilíbrio comportamental dos menores.
No entanto, em 30 de novembro passado, foi proferida sentença de improcedência do pedido, na qual foi determinada a busca e apreensão dos menores, para que eles fossem levados de volta ao convívio do genitor.
Com a ordem de busca e apreensão prestes a ser cumprida, a genitora se identificou e buscou o manto protetor do Judiciário, na busca de resguardar o interesse de seus filhos, além do dela própria, já que eles expressam profundo temor quanto ao retorno ao convívio paterno.
Com o ajuizamento deste feito, foi determinada a audiência especial e imediata para a oitiva dos menores, e da psicóloga que os acompanha durante todo o ano que aqui viveram, com o fim de formar o convencimento deste magistrado acerca da realidade dos fatos noticiados, que são de profunda gravidade.
Em audiência, a psicóloga afirma que as crianças, com 05 e 07 anos de idade, aqui chegaram com 04 e 06, quando apresentavam quadro de grave instabilidade emocional em razão das constantes agressões por elas sofridas, e os dois menores eram tratados com medicamentos de natureza psiquiátrica (tarja preta).
Depois de algum tempo não houve mais necessidade dos medicamentos, e ambos hoje indicam serem felizes. Por outro lado, há, ainda, sensível constrangimento das crianças quando o assunto é o pai, pois deixam transparecer voluntário e profundo temor relativo à presença dele.
Tamanho temor é por elas justificado porque o genitor era agressivo e os maltratava e batia.
Segundo a menor de 07 anos, seu pai, além de bater e maltratá-la, teria cometido abuso sexual e, ao afirmar isso disse apontando com o dedo indicador para o meio de sua s pernas 'ele me machucou aqui'. Por fim ela afirma que não quer mais ver seu pai, nem que ele venha acompanhado de outra pessoa.
Já o menor de 05 anos, relata que seu pai é mau e lhe batia muito, tem medo dele e não quer morar com ele. Ainda destacando alguns trechos dos depoimentos, a psicóloga que acompanha a família afirma que a mãe não apresenta qualquer indício de ser uma pessoa desequilibrada, ou que tenha personalidade manipuladora.
Assim sendo, em que pese a existência de decisão judicial de primeiro grau de jurisdição no sentido de que seja restabelecida a visitação do pai, não há como fugir ao atendimento do interesse dos menores, principalmente quando os próprios expressam justificando temor pelo genitor.
Não se trata aqui de uma revisão da decisão proferida pela justiça goiana, muito pelo contrário, esta merece todo o respeito, pois, por certo foi movida pelo acertado convencimento daquele magistrado diante dos elementos probatórios que lá lhe foram apresentados.
No entanto, trata-se aqui de tutela jurisdicional que envolve direito e interesse de menores, sob novos e inéditos aspectos, que se apresentam como imprescindíveis à adoção da melhor medida voltada para a mesma direção do melhor interesse daqueles.
Esta é a posição expressa pelo Ilustre membro do Ministério Público quando que 'situação nova se apresenta, eis que, como se percebe pelo depoimento das crianças envolvidas, estas manifestaram total pavor pela figura paterna e, inadmitem a possibilidade de serem por ele visitadas'. Dessa forma, quando já interesse de menor em jogo o seu melhor interesse deve se sobrepor a qualquer outro, e a tutela deste interesse deve partir do Juízo que mais perto dele estiver, pois se presume que este Juízo é quem tem a melhor condição de zelar por aquele interesse, e é este o sentido do princípio do Juízo Imediato, conforme lição de 'JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, em ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - Comentário, editora RT, pág. 442':
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Estabelecida a regularidade da competência deste Juízo para apreciar o pedido de antecipação de tutela, certo é que diante dos depoimentos colhidos em audiência especial, estão evidentes os requisitos para a concessão da medida liminar.
Isso porque verossímil a afirmação de que a visitação do pai é justificadamente temida elos menores. No que diz respeito ao perigo de demora para a adoção da medida que atende aos interesses dos menores, se justifica na medida em que se protelado o exercício da jurisdição, danos irreparáveis poderão ser causados à integridade psíquica, e quem sabe, física deles.
Quanto ao perigo de irreversibilidade da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, tal conceito deve ser revertido em favor dos menores, que caso não tenham a proteção imediata de seus interesses podem sofrer conseqüências irreversíveis. Por fim, a medida se mostra como razoável, uma vez que adequada, necessária e proporcional ao caso que se apresenta. Não me permito aqui considerar qualquer entrave instrumental que possa dificultar a concessão de uma medida, que vem em proteção a um direito fundamental, garantido constitucionalmente a todos os cidadãos pela Constituição da República Federativa do Brasil, quando mais quando em voga o interesse de menores, respaldado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que também tem peso constitucional como garantia fundamental, e que destaca o direito destes em face do restante da sociedade.
Posto isso, usando o instrumento de hermenêutica constitucional da razoabilidade, não há argumento que faça prevalecer uma norma instrumental que possa garantir uma relativa segurança jurídica diante de direito material de destacada gravidade, como o que ora é tutelado.
Por todo o exposto defiro a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a suspensão da visitação do genitor, até que os menores tenham gradativo preparo psicológico para com ele conviver. Determino que o presente procedimento seja sigiloso em proteção aos interesses em tela, devendo serem suprimido os dados processuais e das partes que possam ser acessados pelo sistema." (sublinhei) .Contudo, em oposição a tais argumentos, o Juízo suscitado, em 19.12.2007, nos embargos de declaração à sentença de improcedência da ação revisional de cláusula proposta pela mãe, assim decidiu (fls. 110/112):"Trata-se de embargos de declaração apresentados pela autora em razão da sentença de fls. 637/643. Afirma que a sentença é omissa porque não tratou 'expressamente sobre o desligamento da requerente e de sua prole do referido Programa Federal de Assistência a Vítimas Ameaçadas'. Aduz que a sentença e contraditória porque determinou ao Provita que entregasse as crianças ao pai, embora não tenha tratado da exclusão.
Trata da 'insuficiência de recursos' da autora e considera elevado o valor dos honorários do advogado, fixados em razão da sucumbência.
Decido.
Este juízo nada tem que decidir quanto ao desligamento da autora do Programa Federal de Assistência a Vítimas Ameaçadas porque tal questão não é objeto da lide. O desligamento, ou não, depende do PROVITA: é providência administrativa e não judicial. Aliás, o programa não é parte no processo e somente se determinou que a entrega das crianças fosse feita pelo programa porque este juízo não tinha como intimar a autora. O programa comunicou nos autos que a intimação da autora deveria ser feita através da sua diretora, o que foi feito. Assim, não há omissão ou contradição na sentença.
Quanto ao valor dos honorários, cabe à autora questioná-lo na instância superior. Registro com lamento que o recurso de embargos de declaração, no caso vertente, não passa de manobra protelatória. Apenas não fixo a multa prevista no parágrafo único do artigo 538 do CPC porque o valor seria irrisório.
Quanto à petição de fl. 666, este juízo deixa de se manifestar porque já encerrada a prestação jurisdicional neste processo. Vale salientar - em razão dos argumentos constantes dos embargos de declaração e também em razão do conteúdo da petição de f. 666 - que a causa de pedir do processo é o fato de que o pai (requerido) teria abusado sexualmente da filha e praticado contra os filhos lesão corporal. O pedido é no sentido de que o pai deixasse de conviver com os filhos em razão da conduta dele.
O pedido formulado na inicial foi julgado improcedente, nos termos do artigo 269, I do CPC. Conseqüentemente restabeleceu-se o status quo anterior ao deste processo, ou seja, prevalece o acordo quanto à guarda materna e convivência paterna formulado pelos genitores no processo de conversão de separação em divórcio, já que a antecipação dos efeitos da tutela prevalecia apenas até a audiência de instrução e julgamento, conforme decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
Neste processo determinou-se a busca e apreensão dos menores apenas porque a autora, inicialmente, se negou a cumprir a sentença que havia resultado na ineficácia da antecipação dos efeitos da tutela. Assim, outras questões não podem ser tratadas neste processo, sob pena de se incidir em julgamento extra petita.
Considerando as partes, a causa de pedir e o pedido deste processo, e lendo a decisão proferida pelo MM juiz da Comarca de Paraíba do Sul-RJ, fls. 672/676, reputo salutar o encaminhamento de cópias aquele juízo para que verifique a possível ocorrência de litispendência. Acrescento de desde o início deste processo, o pai somente teve contato com os filhos na presença das peritas.
Registro ainda que se encontra em andamento perante este juízo a ação de execução de sentença proposta por M. A. R. contra G. T. C., protocolada em 09.08.06, cujos autos estão apensos a estes, e que estava suspensa aguardando julgamento deste processo para evitar decisões conflitantes.
Assim, determino a remessa de cópia da inicial do referido processo e desta decisão ao MM. Juiz de Paraíba do Sul-RJ, excelentíssimo senhor doutro Eduardo Buzzinari Ribeiro de Sá, a fim de que tome as medidas legais cabíveis.
Por todo o exposto, deixo de dar provimento ao recurso de embargos de declaração." (sublinhei) Elucidam toda a questão as razões apresentadas pela Julgadora de Goiás quando do deferimento de tutela em favor do pai, na ação de obtenção de guarda, e que justificam a permanência da lide na capital goiana (fls. 127/141):
"1. RELATÓRIO:
Trata-se de 'ação de modificação de cláusula contratual para obtenção de guarda, posse e responsabilidade dos menores impúberes de M. T. C. R. e P. C. R., com pedido de antecipação de tutela, cumulada com suspensão de alimentos e regulamentação de visitas acompanhadas e/ou vigiadas' proposta por M. A. R.,qualificado, em face de G. T. C., também devidamente qualificada.
Narra a inicial que as partes foram casadas e da união nasceram os filhos M. T. C. R., nascida em 12/10/2000, e P. T. C. R., nascido em 05/10/2002. Quando da extinção do vinculo matrimonial havido entre as partes, acordaram que a guarda dos filhos ficaria com a mãe. O pai poderia ter a companhia dos filhos em finais de semanas alternados; na primeira quinzena dos períodos de férias escolares de janeiro e julho; no ano novo e dia dos pais; e livremente, nas oportunidades que o pai estiver nesta Capital, o que poderá ser feito mediante aviso prévio de 24 horas.
Alega que as visitas nunca se efetivaram na forma acordada, pois a requerida (genitora) fazia todo o possível para dificultar ou impedir o convívio do pai com os filhos, tanto que o autor (pai) ingressou com ação de execução de sentença (200602330887), visando o cumprimento do acordo que lhe permitia conviver com os filhos.
Com o objetivo de afastar os filhos do autor, a requerida ingressou com ação de modificação de cláusula contratual (Protocolo 200602360778), no qual pediu que fossem suspensas as visitas do pai ou que elas ocorressem apenas de forma vigiada. No curso do processo, a autora se incluiu, juntamente com os filhos, no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, alegando que o autor era pessoa perigosa e danosa para os filhos. Por força da decisão do Egrégio Tribunal de Justiça, concedida no referido processo, e porque a autora e os filhos estavam em local sigiloso em razão do programa de proteção, o autor deixou de ver ou ter qualquer contato com os filhos.
Ainda no processo já mencionado, foram feitas perícias judiciais, tendo elas concluído que o autor não representava nenhum risco aos filhos e que a requerida havia implantado falsas memórias nos filhos, visando a prejudicar o autor em razão de não aceitar o fim do casamento.
Em razão de a conduta da requerida ser prejudicial aos filhos, pede, liminarmente, a alteração da cláusula a fim de que a guarda dos filhos seja deferida ao autor, passando a requerida a conviver com os filhos apenas de forma vigiada, suspendendo a obrigação de o autor pagar alimentos aos filhos.
A inicial está acompanhada de documentos, fls. 12/260. O autor juntou petição, fls. 264, para informar que a genitora continua impossibilitando o convívio paterno, tanto que o acordo referente à visitação paterna não está sendo cumprido, mesmo depois de julgado o processo de autos 200602360778 em 30. 11.07.
2. FUNDAMENTAÇÃO:
Apensos a estes autos estão os autos do processo de execução de sentença (Protocolo n.° 200602330887), protocolado em 09.08.96, no qual o ora autor (M. A. R.) busca o cumprimento do acordo referente a seu direito de visitas. Também estão apensos os autos de n.° 200602360778, no qual a requerida (genitora) pleiteava a suspensão de qualquer contato do pai com os filhos, alegando que ele havia praticado contra os próprios filhos abuso sexual e agressão física.
No referido processo, concedi em parte a antecipação dos efeitos da tutela, a fim de que o acompanhamento paterno passasse a ocorrer de forma vigiada, ante as denúncias gravíssimas apresentadas pela genitora. Houve recurso contra a decisão, e o egrégio Tribunal de Justiça, em sede de agravo de instrumento, concedeu liminar a fim de afastar qualquer contato do pai com os filhos até que se concluísse pela ausência de risco para os menores.
No curso do processo, foram nomeadas peritas (duas Psicólogas e uma Psiquiatra) para avaliar os pais e os filhos, tendo todas as peritas (e até o assistente técnico da genitora) concluído pela ausência de risco por parte do pai. Concluíram também se tratar de evidente caso de Síndrome de Alienação Parental, patologia na qual um dos genitores (neste caso, a mãe) insere falsas memórias nos filhos, visando, quase sempre, prejudicar o ex-companheiro.
Concluída audiência de instrução e julgamento, proferi sentença, em 30.11.07, decidindo pela improcedência do pedido e retornando ao status quo, ou seja, à aplicação do acordo referente à guarda e acompanhamento paterno. Inicialmente, a genitora se negou a permitir o acesso do pai aos filhos e então foi expedida carta precatória de busca e apreensão dos menores, a fim de que o pai pudesse exercer o convívio com os filhos, como estabelecido no acordo homologado. A fim de acompanhar o processo de reaproximação dos filhos, indiquei a Psicóloga, Dra. Márcia Christovam S. Rocha - que havia atuado como assistente do pai desde a primeira perícia judicial - e o fiz por sugestão do próprio assistente técnico da genitora.
Após a busca e apreensão dos menores, a genitora e os filhos foram desligados do PROVITA (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas), conforme documento, cuja cópia está às fls. 258/260. Também após a prolação da sentença por este Juízo, a genitora ingressou com ação junto ao Juízo da Comarca de paraíba do Sul-RJ, local onde estava por força do PROVITA, visando, segundo cópia da decisão constante de fis. 250/254 'a suspensão das visitas do genitor, até que seja providenciado o devido preparo psicológico dos menores e eventual restabelecimento do CONVÍVIO com aquele'. Foi concedida a antecipação dos efeitos da tutela.
Não obstante referida antecipação dos efeitos da tutela, os filhos vieram para Goiânia e passaram alguns dias com o pai, mediante acompanhamento da psicóloga indicada por esta juíza. Conforme cópia da petição de fls. 265, a genitora informou a este Juízo, em 27.12.07, que resolveu fixar residência em Paraíba do Sul-RJ, onde estava a cargo do PROVITA.
Agora, neste autos, pretende o genitor a guarda dos filhos, ao argumento de que a mãe não tem condições psicológicas de continuar com a guarda. Fundamenta seu pedido, sobretudo, em todos as falsas denúncias que a mãe fez contra o pai no processo já mencionado e em outros procedimentos. Primeiramente, reputo fundamental a narrativa acerca de tudo que envolveu as partes desde a propositura do processo por parte da genitora, visando afastar o pai dos filhos, por isso o fiz, ainda que pareça exaustivo.
Antes de analisar o pedido de antecipação de tutela, também considero necessário tratar da questão da competência, ante a notícia de que a mãe fixou endereço residencial em Paraíba do Sul-RJ. Registro que a genitora postulou transferência do título eleitoral para referida Cidade e que o título foi emitido em 27.12.07 , conforme fl. 689 dos autos 200602360770, ou seja, no dia seguinte à propositura desta ação.
Quando se iniciou o processo proposto pela autora, em 11.08.2006, ela morava em Goiânia, tanto que aqui ingressou com a ação. No curso do processo, foi inserida no programa de proteção à vítima e testemunha e, em razão disto, passou a morar em local sigiloso, cujo endereço não era conhecido nem por este Juízo. Suas intimações eram feitas por intermédio do responsável pelo Programa. Julgado o processo em primeira instância, e desligada do programa, a genitora informa que continuará a viver no local onde estava, antes sigilosamente, e ingressa com processo naquela localidade.
A conexão do processo ora analisado com o processo de autos nº 200602360770, que aguarda prazo para apelação, é inquestionável. A causa de pedir deste processo é, principalmente, o fato de a mãe tentar a todo custo impedir o convívio paterno, como se apurou nos autos 200602360770, tanto que seria impossível o julgamento do presente pedido sem o relatório acima para situar o grave problema no qual os filhos estão inseridos. Imprescindível, então, a análise do artigo 147, 1 do ECA e do artigo 87 do CPC, a fim de verificar qual dos dois dispositivos terá aplicação ao caso vertente. Se
entendermos pela aplicação do artigo 147, 1 do ECA, teríamos que remeter o processo à Comarca de Paraíba do Sul-RJ. Concluindo pela aplicação do artigo 87 do CPC, este Juízo é competente para continuar analisando a questão da guarda e visita dos menores, mesmo diante da pretensão da mãe de morar em Paraíba do SuI-RJ.
Ao receber o pedido ora analisado, fiz ampla consulta na jurisprudência do STJ e encontrei dois precedentes que se ajustam adequadamente à hipótese em questão. Trata-se dos Conflitos de Competências autuados sob os números CC 35.761/SP e CC 29.683/SP.
Em ambos, aquela Corte entendeu que prevaleceria a regra do artigo 87 do CPC. Em todos os julgados a respeito do tema, o STJ busca preservar ao máximo o interesse do menor. Somente encontrei um julgado no qual a competência foi deslocada em razão da mudança da genitora. Tratava-se de uma situação em que o próprio Judiciário havia autorizado a mudança da mãe no curso do processo e o fazia com o fim de beneficiar o menor envolvido. A mesma consulta pode ser feita no site do STJ.
No presente caso, a situação é inversa, pois a genitora somente ingressou com petição informando sua mudança de endereço depois do protocolo do pedido ora analisado. Ademais, evidente que a mudança de endereço deve estar diretamente relacionada ao desejo da mãe em afastar os filhos do pai. A autora não mede esforços para realizar tal vontade, tanto que: a) ingressou com o processo para afastar os filhos do pai (autos 200602360770); b) fez denúncias contra o pai junto ao Ministério Público; c) pediu sua inserção no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas; d) apresentou queixa crime contra o pai, na qual afirma que o pai teria abusado sexualmente dos filhos, transcrevendo relatos da maior gravidade como a de que o pai teria espancado os filhos e introduzido 'objetos na vagina e ânus (do tipo pau e prego) inclusive com sangramento local' (fl. 61 dos autos 200602360778; e) ingressou com ação no Juízo de Paraíba do Sul para impedir o contado do pai com os filhos, mesmo depois da sentença deste Juízo, etc.
Não é dificil concluir que a autora pretende se mudar de Estado para impossibilitar o convívio dos filhos com o pai, o que, por si só, contraria o princípio do melhor interesse das crianças: 'Com, a separação, divórcio ou dissolução da união estável, é interessante manter, tanto quanto possível, um ambiente semelhante ao qual a criança estava habituado. Assim, a permanência da criança na mesma residência e na / mesma escola é sempre recomendável.' Por tudo isto, e considerando o teor das diversas decisões do Egrégio Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, reputo necessária a aplicação do artigo 87 do CPC, visando resguardar o interesse dos menores. Outro entendimento implica contribuir para dificultar o retorno das crianças vítimas da alienação parental ao genitor acusado e até mesmo aos outros familiares que estão em Goiânia. Vale lembrar que os avós maternos, residentes em Goiânia, representam importante rede de apoio aos filhos, o que é facilmente extraído da fala das crianças.
Não se pode deixar de considerar que, diante das denúncias gravíssimas que a mãe faz contra o pai, a providência imediata de qualquer profissional ciente de suas obrigações é, realmente, afastar o pai do convívio com os filhos: assim eu própria o fiz em 2006, como também o fez, ainda com mais rigor que esta juíza, o e. Tribunal de Justiça de Goiás. Agiu igualmente o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, e mais recentemente o MM. Juiz de Paraíba do Sul-RJ adotou providência no mesmo sentido. Não se pode deixar de considerar, como bem ponderou a última perita, que até mesmo os profissionais da área de Psicologia não estão, muitas vezes, preparados para perceber de imediato que se trata de síndrome de alienação parental, e também eles acabam se tornando coadjuvantes da mãe no triste processo. Outrossim, a mudança de foro, depois de feita toda a instrução processual neste Juízo, somente fomenta a ação alienante da mãe.
Também estou segura que este entendimento é o que melhor se coaduna à nossa Constituição da República, que consagrou o princípio do melhor interesse da criança de maneira mais ampla ao adotar a Doutrina da Proteção Integral. Dispõe o art. 227 da CF: 'é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e, ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Superada a questão concernente à competência, passo agora a apreciar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, formulado pelo autor. Para tanto, verifico a presença dos requisitos do artigo 273 do CPC. Quando tomei conhecimento dos fatos narrados pela genitora, nos autos 200602360778, logo concluí: um dos genitores (pai ou mãe) sofria de grave patologia. Poderia ser o pai, que abusava sexualmente e agredia os filhos; mas poderia ser a mãe, num típico caso de síndrome de alienação parental. Uma coisa era certa: direitos básicos da criança previstos no artigo 227 da CF estavam sendo desrespeitados.
Também não tive dúvidas de que somente profissionais da área da psiquiatria e da psicologia poderiam chegar a uma conclusão segura. Obviamente, este Juízo não poderia fazê-lo ouvindo os menores -principalmente diante da hipótese da implantação de falsas memórias -como o próprio nome já sugere. Busquei me informar sobre os melhores profissionais para a análise dos envolvidos. Para tanto, nomeei a Drª. VALERIA MACHADO AVILLA, Psiquiatra Clínica, com especialidade em Psiquiatria forense, integrante da Junta Médica do Tribunal de Justiça há mais de dez anos, além de ser membro fundador do Comitê de Ética e Medicina Legal da Associação Brasileira de Psiquiatria, professora convidada da Escola Superior do Ministério Público de Goiás, professora convidada da banca para título de especialista em Psiquiatria Forense da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Para realizar os trabalhos na área do comportamento humano, nomeei a Drª. VANNUZIA LEAL ANDRADE PERES, Psicóloga, Especialista em Psicodrama de Crianças, Especialista em Terapia de Casais e Família, Doutora em Psicologia do Desenvolvimento e Professora Pesquisadora da Universidade Católica de Goiás.
Veja o que essas profissionais constataram. Primeiro o laudo elaborado pela Psicóloga, Dra. Vannuzia Leal Andrade Peres, cuja cópia foi juntada às fls. 78/92: 'Os sentidos subjetivos de afetividade, gerados por M. e P. são claramente incompatíveis com a acusação de abuso dirigida ao pai; O centro da questão é a separação conflituosa do casal na qual M. e P. estão sendo implicados, especialmente pela mãe, de forma equivocada e irresponsável, o que poderá acarretar conseqüências irreparáveis ao desenvolvimento emocional de ambos; A ruptura do casal pode ser considerada um processo de subjetivação patológica de sua relação conflituosa ao longo do casamento, portanto impossível de ser compreendida e compartilhada emocionalmente pelas crianças; Há indicadores de que a organização disfuncional do ex-sistema conjugal deveu-se a configurações de personalidade tanto do pai (sua impulsividade,) quanto da mãe (sua insegurança afetiva e necessidade social de reconhecimento), não podendo ser atribuída a um ou a outro, mas a ambos; O fato da mãe não possuir outro espaço social constituído (um trabalho realizador, por exemplo,) é hoje fonte de seus atuais conflitos que dificultam sua produção de emoções alternativas e de novos sentidos subjetivos da separação. Somente com sua conversão em sujeito da experiência poderá gerar novos sentidos da separação e produzir ações saudáveis e benéficas para os filhos e para ela própria, o que implica na sua disposição e compromisso com um processo de reflexão; Há fortes e significativos indicadores de que a percepção que M. e P. têm do pai (um pai 'mau') advém da representação constituída pela mãe, e não de suas experiências concretas com ele; E com base nessa representação da mãe sobre o pai que M. vem produzindo, constantemente, uma realidade sobre ele que é não apenas uma produção cognitiva, mas uma produção subjetiva, tendo, portanto, elementos de sua imaginação ou de sua fantasia; Também há fortes indicadores de que a queixa contra o pai é uma expressão subjetiva da vida conflituosa dos ex-cônjuges, já que aparece no contexto do conflito (mesmo já estando separados) e em uma cultura que não dá a devida importância à convivência pacífica dos pais para que alcancem realizar sua tarefa de educação dos filhos: Há indicadores, ainda, de que a acusação do pai como agressor pode estar implicada com as novas práticas da sociedade nos processos de separação dos casais ou com a uma nova patologia social com a qual ex-cônjuges tentam justificar reivindicações baseadas em suas necessidades e motivações particulares'.Por sua vez, o laudo elaborado pela Psiquiatra, Dra. Valéria Machado Ávilla, cópia às fls. 93/104, em sua parte conclusiva, dispôs que: 'Não há evidências psíquicas de ABUSO SEXUAL por parte do genitor das crianças. Há evidências de ALIENAÇÃO PARENTAL por parte da genitora.' Mesmo diante destes laudos, a mãe insistia em outra perícia. Em audiência, depois de homologados os citados laudos e decorrido o prazo para agravo contra a decisão, possibilitei às partes a realização de mais uma perícia, já que a genitora achava tão importante a realização de testes, principalmente o 'RORSCHACH'. O genitor aceitou e foi feita a terceira perícia, na qual foram realizados os testes pretendidos pela genitora.
Para realizar a perícia, nomeei a Dra. Ângela D. Baiocchi Vasconcelos, Psicóloga renomada, Professora e Pesquisadora na UCG – Universidade Católica de Goiás, Especialista em Psicodrama e Terapia Familiar Sistêmica, Mestre em Educação, Psicóloga Supervisora do GEAGO – Grupo de Apoio à Adoção de Goiás e Projeto Anjo da Guarda do Juizado de Menores. Ela concluiu, cópia às fls. 156/158: 'Não. A partir dos dados colhidos nesta perícia não se constata nenhum tipo de abuso sexual ou maus tratos contra os filhos por parte do pai. [...] Sim.
De acordo com a avaliação e análise do caso aqui exposto houve Síndrome de Alienação Parental (SAP). De forma considerada grave e com conseqüências já manifestada por M. e P.'Vivenciamos um momento em que os principais estudiosos do Direito de Família fazem uma verdadeira campanha pela guarda compartilhada, a fim de que a criança conviva o máximo possível com ambos os genitores. O tema foi tratado com insistência no V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Há projetos tramitando no Congresso Nacional no sentido de que a regra passe a ser a guarda compartilhada e não a unilateral. Veja ensinamento doutrinário neste sentido: 'Tanto o pai quanto a mãe, querendo e podendo, devem estar presentes no processo de formação do filho, e estão em igualdade de condições para exercerem esse munus, notadamente frente aos comandos constitucionais de igualdade previstos no art. 5°, inciso 1 e art. 226, § 5º'. Entretanto, no caso vertente, o que se constata é uma campanha sem limites por parte da mãe para impedir os filhos de conviverem com o pai. Importante observar o que ocorreu na 'Audiência Especial' feita perante o Juízo da 2ª Vara da Comarca de Paraíba do Sul-RJ no dia 06.12.07 , ou seja, dias depois de julgado em primeira instância o processo que tramitava perante este Juízo, o que ocorreu em 30.11.07. Na referida audiência, as crianças teriam narrado ao Juiz atos de agressões físicas contra eles e abuso sexual contra Marina. Consta do termo da 'Audiência Especial', cuja cópia foi juntada aos autos por intermédio do PROVITA, fl. 255 '...que a menor M. relata com dificuldade o fato de que seu pai já ter mexido [sic] em partes que aponta o dedo indicador, como sendo seu órgão genital'. O que se conclui facilmente é que a mãe continua, nos dias atuais, inserindo nas crianças a crença de que o pai é mau (agressivo e praticante de abuso sexual) e que os filhos não podem com ele conviver.
Sobre a situação verificada no texto acima transcrito, copiado do termo de 'Audiência Especial', no qual a criança aponta para o Juiz seu órgão genital, já havia manifestado a perita, fl. 136: 'Não é a nudez da criança que chama atenção desta perícia, mas sim a super-exposição da criança em ambientes públicos, o uso inescrupuloso de próprio corpo para fazer denúncias de situações não vividas com seu progenitor e impossíveis de serem reais.' Em outras palavras, o objetivo da mãe em prejudicar o pai faz com que ela exponha sem limite os filhos, levando a menina a uma sala de audiência para agir como fez no excerto suso transcrito. Vale lembrar aqui quantos direitos das crianças estão sendo desrespeitados pela manipulação que a genitora vem fazendo nos filhos e pelas outras condutas já registradas no texto desta decisão: 'Toda criança ou adolescente tem o direito à convivência familiar (art. 19 ECA), à liberdade, ao respeito, à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais, garantidos na Constituição e nas leis (art. 15 do ECA), assim como liberdade de opinião e expressão, participação na vida familiar e comunitária (art. 16 do ECA), além de inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças (art. 17 do ECA), sendo dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente (art. 18 do ECA)'.
Também faz parte do texto da perita, fls. 152: 'Neste aspecto G. não percebe que a criança depois de ser obrigada a denunciar o pai em diferentes instâncias durante 06 meses. Apresentando graves sinais de ansiedade e estresse que não foram olhados por sua mãe que se dizia vítima de perseguição e ameaças, vai desenvolver medo e culpa pelo que causou no pai. Vai querer negar seu amor para não prejudicar a mãe. Mas em compensação vai desenvolver distúrbios psíquicos graves para realizar este esforço para a mãe.' Grifo no original.
As conseqüências da síndrome da alienação parental são extremamente graves para os filhos. O tema já foi objeto de artigos e palestras ministrados pela Exma. Desembargadora do Rio Grande do Sul, Mana Berenice Dias. Também foi abordado com maestria pelo advogado Paulo Lins e Silva (RJ) na palestra intitulada 'Síndrome da alienação parental e a aplicação da convenção de Haia' durante o VI Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado em novembro/07, em Belo Horizonte.Naquela oportunidade afirmou: 'A chamada Síndrome de Alienação Parental é uma das mais extremas conseqüências da litigiosidade advinda da dificuldade de distinção, por muitos, dos papéis da conjugalidade da parentalidade. Tal síndrome, na qual o guardião afasta não apenas a convivência da criança com o outro genitor, mas também qualquer chance da conexão emocional do menor com esse, é exacerbada e facilitada nos casos de seqüestro internacional de crianças. A retirada unilateral por um dos pais do Estado onde se constituiu a família implica em um afastamento físico entre a criança e o outro guardião, tornando os efeitos da abdução quase irreversíveis.' Grifos meramente enfáticos.
Pelo que se verifica, a genitora vai continuar empregando todos os mecanismos para afastar os filhos do pai, pois conforme se vê na petição de fls. 264, a genitora não permitiu o convívio das crianças com o pai nas datas festivas e nem nas férias, como dispõe o acordo em vigência, desrespeitando os limites do poder familiar: 'A existência de limites configura o poder familiar não apenas como um poder (assim como era o pátrio poder), mas também como um dever dos pais.' Consta do relatório elaborado pela Psicóloga que acompanhou o reencontro do pai com os filhos, nesta cidade, no dia 14 de dezembro de 2007: 'O Dr. Alexandre {Responsável pelo Programa de Proteção à Vítimas e Testemunhas} que os conduziu {M. e P.} relatou uma viagem tranqüila, onde as crianças brincavam, conversavam livremente chegando até a fazer planos sobre o fariam quando reencontrassem o pai.
Tal relato se confirmou pela postura que presenciei e relatei em parte no parágrafo anterior. Assim, percebe-se que as crianças ainda mantém um discurso preparado do que deveriam falar ou fazer para demonstrar rejeição ao pai, entretanto a fala do corpo e da expressão facial, que não podem ser manipuladas, denunciam o desejo de estar com este pai e restabelecer com ele o contato, fala esta que até se torna verbal quando não há a censura delimitada pela mãe. (fl. 22)'. As fotos juntadas aos autos, fls. 30/52, tiradas, segundo afirma o autor, no período de 21 a 23 de dezembro de 2007, não deixam dúvidas quanto à felicidade estampada nos rostos dos filhos na presença do pai e sem o controle da mãe. A alegria deles é contagiante. Por outro lado, ficou evidenciado que a genitora continuará utilizando todos os recursos para afastar os filhos do pai, prejudicando-os sobremaneira.
Somente através da concessão da guarda ao pai, as crianças poderão ficar livres da constante manipulação materna, que traz para os filhos transtornos psíquicos de extrema gravidade. Vale lembrar que as ações da mãe já causaram aos filhos vários distúrbios de ordem emocional, o que foi constatado por todos profissionais que os examinaram.
No que tange ao pai - não obstante tantas denúncias feitas pela mãe - nada se apurou que desabonasse sua conduta. Pelo contrário, as provas trazidas aos autos revelam um profissional respeitado na Comarca onde atual, sem qualquer mácula. Até mesmo o assistente técnico indicado pela genitora - um dos profissionais mais respeitados deste Estado naquele ramo de atuação - concluiu pela inocorrência dos fatos imputados ao pai pela genitora.
Saliento que o pai é Promotor de Justiça na Comarca de Ceres - GO e afirma que também mantém apartamento em Goiânia-GO, detendo total condição física, emocional e material para exercer o papel de guardião dos filhos, assegurando a eles o ambiente saudável e compatível com as necessidades do ser em desenvolvimento: 'Á convivência familiar apenas é possível em ambiente solidário, expressado na afetividade e no co-responsabilidade.' Por tudo isso, entendo que a alteração da guarda é medida que se impõe como forma de salvaguardar as crianças da prática manipuladora da mãe.
Somente num primeiro momento, considero que a convivência com a mãe deve dar-se acompanhada, visando evitar que ela dificulte o relacionamento com o pai. Entendo que o acompanhamento pode ser feito pelos próprios avós maternos, que por certo não iriam restringir a vivência da mãe com os filhos e também evitariam que ela continuasse manipulando os filhos contra o pai. E possível perceber que os avós maternos são figuras importantes para M. e P. e é importante utilizar isso como componente da rede de apoio para uma nova fase na vida dos filhos.
Considero que a convivência com a mãe deve ser a mais ampla possível, a fim de evitar danos para os menores, afinal, durante muito tempo as crianças foram convencidas de que a mãe afastava o pai para beneficiá-las. Por certo, a dependência emocional materna é muito grande e isto não pode ser desconsiderado neste momento.
3. DISPOSITIVO:
Posto isso, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para conceder a guarda de M. T. C. R. e P. T. C. R. ao pai M. A. R.
A mãe (requerida) poderá conviver com os filhos nos finais de semana (pegando-os aos sábados às 09 horas e devolvendo-os às 18 horas aos domingos). Entretanto, reservo ao pai dois (02) domingos por mês para lazer. Durante os três primeiros meses, a convivência materna deve ser acompanhada dos avós maternos, a fim de garantir que a genitora não continue implantando falsas memórias nos filhos.
Encaminhe oficio ao Procurador Geral da Justiça do Estado de Goiás para que suspenda o desconto da pensão alimentícia na folha de pagamento do autor, por ser medida conseqüencial da alteração da guarda.
Determino ao pai que siga rigorosamente as recomendações de todos os psicólogos que atuaram no processo anterior, no sentido de manter acompanhamento terapêutico aos filhos, a fim de proporcionar às crianças, sobretudo à M., o restabelecimento da saúde emocional o mais rápido possível. Considerando que a decisão proferida pelo Juízo de Paraíba do Sul -RJ em 06.12.07 diverge da sentença de mérito proferida por este Juízo em 30.11.07, e também não coaduna com esta decisão, determino o encaminhamento de cópia desta àquele Juízo para que suscite - caso assim entenda - o conflito de competência perante o órgão próprio.
Intimem-se. Cite-se, podendo ser expedida carta precatória de busca e apreensão dos menores, a fim de que os fi1hos sejam entregues ao pai, se necessário for." (alguns trechos negritados e sublinhados pelo relator)
Destarte, a despeito de inexistir controvérsia antes do deferimento da tutela pelo Juízo da 3ª Vara de Goiânia que a guarda é exercida pela mãe (fl. 111), a solução, na espécie, não pode levar em consideração o art. 147, I, do ECA, que estabelece a competência absoluta do foro de residência dos menores para a ação, desde que seja originária.
É que transparece com clareza, pelos aprofundados estudos do caso realizados na Comarca de Goiânia, que G. T. C. procura deslocar artificialmente o foro para obter decisão favorável às suas pretensões.
A questão, assim, diversamente do comumente enfrentado em diversos precedentes, amolda-se a julgados desta e. 2ª Seção que aplicam a regra do art. 87 do CPC, a partir do ajuizamento da ação primeira, no caso a separação de corpos e guarda provisória, ajuizada em 25.02.2003 (fl. 58), época em que todos os membros da família residiam em Goiânia, para evitar que haja manipulação do foro com sucessivas mudanças daquele que exerce a guarda. Confira-se:
"Conflito de competência. Art. 147, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
1. Presentes as circunstâncias dos autos, determina-se a competência para processar e julgar ações que têm por objeto a menor o foro do domicílio de quem detém a guarda, nos termos do art. 147, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente, não relevando, no caso, a mudança de domicílio da mãe, detentora da guarda.
2. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça do Distrito Federal." (CC n. 79.095/DF, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, unânime, DJU de 11.06.2007) "CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS. MUDANÇA DE DOMICÍLIO NO DECORRER DA LIDE. 1. A mudança de domicílio do menor e de seu representante legal depois de configurada a relação processual não modifica a competência firmada no momento em que a ação é proposta. Depois de fixada aquela, as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas são irrelevantes, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.
2. Conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da Comarca de Jaciara/MT, o suscitado." (CC n. 45.794/RO, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 21.03.2005)
Ante o exposto, conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia, GO, o suscitado, e anular as decisões proferidas pelo Juízo suscitante.
É como voto.
Superior Tribunal de Justiça - SEGUNDA SEÇÃO - Número Registro: 2008/0060262-5 CC 94723 / RJ -Números Origem: 20070400021058 200705184158 20080400004660 EM MESA JULGADO: 24/09/2008 - SEGREDO DE JUSTIÇA,Relator Exmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR Presidenta da Sessão Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI, Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS, Secretária Bela. HELENA MARIA ANTUNES DE OLIVEIRA E SILVA, AUTOR : M T DA C R E OUTRO, REPR. POR : G T DA C R, ADVOGADO : PEDRO SÉRGIO DOS SANTOS E OUTRO(S), RÉU : M A R, ADVOGADO : GILDO FAUSTINO DA SILVA NASCIMENTO E OUTRO(S), SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DE PARAÍBA DO SUL – RJ , SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA 3A VARA DE FAMÍLIA SUCESSÕES E CÍVEL DE GOIÂNIA – GO, ASSUNTO: Civil - Família - Menor - Guarda
O assunto "alienação parental" é relativamente novo no ordenamento jurídico vigente.
O STJ manteve, na integra, sentença proferida pela Juiza da 3a Vara de Família e Sucesões de Goiânia, Goiás.
A irretocável decisão, inverteu a guarda dos filhos em favor do pai, considerando a prática de alienação parental, realizada pela mãe, que detinha a guarda dos filhos. Na integrao teor do julgado:
"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. MENOR. AÇÕES CONEXAS DE GUARDA, DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULA, DE EXECUÇÃO E OUTRAS. GUARDA EXERCIDA PELA MÃE. MUDANÇA DE DOMICÍLIO NO CURSO DA LIDE. IRRELEVÂNCIA. CPC, ART. 87. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
Prevalece o art. 87 do CPC sobre a norma do art. 147, I, do ECA, que tem natureza absoluta quando, em curso a ação originária, proposta regularmente no foro de residência do menor, o detentor da guarda altera seu domicílio.
II. Precedentes do STJ.
III. Inexistência de circunstância excepcional a indicar solução diversa.
IV. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia, GO, o suscitado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do conflito de competência e declarar competente a 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia/GO, a suscitada, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região) e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.
Brasília (DF), 24 de setembro de 2008 (Data do Julgamento) MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Relator Documento: 822579 - DJ: 29/10/2008 Página 1 de 23
Superior Tribunal de Justiça
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 94.723 - RJ (2008/0060262-5)
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: - Cuida-se de conflito positivo em que é suscitante o Juízo de Direito de Paraíba do Sul, Estado do Rio de Janeiro, e suscitado o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia, Estado de Goiás.
No Juízo suscitante tramita, desde 07.12.2007, a ação de modificação de cláusula n. 2007.040.002105-8, movida por M. T. C. R. e P. T. C. R., menores impúberes, representados por sua mãe, G. T. C. R., em face do pai, M. A. R., na qual foi deferida tutela antecipatória para afastar os filhos do convívio paterno.
Na 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia, GO, tramitaram ou tramitam as ações de separação de corpos e guarda provisória, distribuída em 25.02.2003 (fl. 58); homologação de divórcio em ação de conversão da separação, datada de 09.06.2005 (fl. 20); execução de acordo n. 200602330887, de iniciativa do pai; revisional de cláusula de visita n. 200602360778, de autoria da mãe contra o pai, proposta em 11.08.2006 (fl. 113), já com sentença de improcedência; e de guarda e posse, n. 200705184158, aforada pelo pai contra a mãe.
A narrativa constante da inicial do feito de modificação relata que o pai é pessoa violenta e que praticou abuso sexual contra a filha, causando a conseqüente evasão dos autores com apoio do PROVITA, Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, fixando posteriormente residência em sigilo na comarca fluminense até que posteriormente o deixaram.
Contrariamente, a decisão concessiva de tutela na ação de obtenção de guarda movida pelo pai (n. 200705184158) elucida que a mãe sofre de profundos problemas Documento: 822579 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2008 Página 2 de 23 Superior Tribunal de Justiça psicológicos denominados de Síndrome de Alienação Parental (fl. 133), causadores de todas as denúncias de atitudes nefastas contra M. A. R., e que induz as crianças a denegrirem a imagem paterna, contra quem nenhuma alegação foi comprovada nem indício algum foi diagnosticado nos estudos dos especialistas que auxiliam o Juízo (fl. 129), mas que confirmam o distúrbio que acomete G. T. C. R., bem como que a mudança repentina dos primeiros autores de Goiânia ocorreu nos dias seguintes à sentença, datada de 30.11.2006, que julgou improcedente também esta tentativa de alijar o pai do convívio com os filhos menores.
M. A. R. peticiona às fls. 176/213, alegando que o direito pleiteado na ação em Paraíba do Sul é da mãe, não dos menores, que são parte ilegítima, além de enumerar outras irregularidades processuais; ressalta a prevenção do Juízo de Goiás e a existência de patologia psicológica da mãe, promovendo ainda a juntada dos documentos de fls. 215/1.376.
Parecer do douto Ministério Público Federal, da lavra do Dr. Fernando H.O. de Macedo, no sentido da competência do Juízo de Paraíba do Sul, onde a mãe, que detém a guarda regularmente, fixou moradia com os filhos (fls. 1.378/1.382).
É o relatório.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 94.723 - RJ (2008/0060262-5)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): Os órgãos judiciais mencionados inequivocamente praticaram atos de processamento das ações, o primeiro expressamente deferindo tutela antecipada para assegurar a suspensão de visitas do pai, e o segundo, que impulsiona o caso desde a separação de corpos e guarda provisória, de 25.02.2003 (fl. 58), depois a homologação do divórcio, em ação de conversão da separação ajuizada em 09.06.2005 (fl. 20), ainda a ação revisional de cláusula, datada de 11.08.2006 (fl. 113), já sentenciada, e a ação para obtenção de guarda, posse e responsabilidade, de autoria de M. A. R. (n. 200705184158), na qual foi deferida tutela em favor do pai (fls. 127/141).
O Juízo suscitante assim fundamentou o deferimento da medida de urgência (fls. 100/104):
"Cuida-se de pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional formulado no bojo de ação que adota o rito ordinário, com o fim de que seja determinada a suspensão das visitas do genitor, até que seja providenciado o devido preparo psicológico dos menores e eventual restabelecimento do convívio com aquele.
O pedido em análise tem como fundamento o fato de que, após um longo histórico de agressões e ameaças perpetradas pelo genitor contra sua ex-esposa e filhos, que passaram a fazer parte do programa de proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas.
Concomitantemente à inclusão no programa de proteção, estava em curso uma ação com pedido de modificação de cláusula, na qual foi deferida a antecipação de tutela pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no sentido de suspender a visitação do pai, diante do extremo desequilíbrio comportamental dos menores.
No entanto, em 30 de novembro passado, foi proferida sentença de improcedência do pedido, na qual foi determinada a busca e apreensão dos menores, para que eles fossem levados de volta ao convívio do genitor.
Com a ordem de busca e apreensão prestes a ser cumprida, a genitora se identificou e buscou o manto protetor do Judiciário, na busca de resguardar o interesse de seus filhos, além do dela própria, já que eles expressam profundo temor quanto ao retorno ao convívio paterno.
Com o ajuizamento deste feito, foi determinada a audiência especial e imediata para a oitiva dos menores, e da psicóloga que os acompanha durante todo o ano que aqui viveram, com o fim de formar o convencimento deste magistrado acerca da realidade dos fatos noticiados, que são de profunda gravidade.
Em audiência, a psicóloga afirma que as crianças, com 05 e 07 anos de idade, aqui chegaram com 04 e 06, quando apresentavam quadro de grave instabilidade emocional em razão das constantes agressões por elas sofridas, e os dois menores eram tratados com medicamentos de natureza psiquiátrica (tarja preta).
Depois de algum tempo não houve mais necessidade dos medicamentos, e ambos hoje indicam serem felizes. Por outro lado, há, ainda, sensível constrangimento das crianças quando o assunto é o pai, pois deixam transparecer voluntário e profundo temor relativo à presença dele.
Tamanho temor é por elas justificado porque o genitor era agressivo e os maltratava e batia.
Segundo a menor de 07 anos, seu pai, além de bater e maltratá-la, teria cometido abuso sexual e, ao afirmar isso disse apontando com o dedo indicador para o meio de sua s pernas 'ele me machucou aqui'. Por fim ela afirma que não quer mais ver seu pai, nem que ele venha acompanhado de outra pessoa.
Já o menor de 05 anos, relata que seu pai é mau e lhe batia muito, tem medo dele e não quer morar com ele. Ainda destacando alguns trechos dos depoimentos, a psicóloga que acompanha a família afirma que a mãe não apresenta qualquer indício de ser uma pessoa desequilibrada, ou que tenha personalidade manipuladora.
Assim sendo, em que pese a existência de decisão judicial de primeiro grau de jurisdição no sentido de que seja restabelecida a visitação do pai, não há como fugir ao atendimento do interesse dos menores, principalmente quando os próprios expressam justificando temor pelo genitor.
Não se trata aqui de uma revisão da decisão proferida pela justiça goiana, muito pelo contrário, esta merece todo o respeito, pois, por certo foi movida pelo acertado convencimento daquele magistrado diante dos elementos probatórios que lá lhe foram apresentados.
No entanto, trata-se aqui de tutela jurisdicional que envolve direito e interesse de menores, sob novos e inéditos aspectos, que se apresentam como imprescindíveis à adoção da melhor medida voltada para a mesma direção do melhor interesse daqueles.
Esta é a posição expressa pelo Ilustre membro do Ministério Público quando que 'situação nova se apresenta, eis que, como se percebe pelo depoimento das crianças envolvidas, estas manifestaram total pavor pela figura paterna e, inadmitem a possibilidade de serem por ele visitadas'. Dessa forma, quando já interesse de menor em jogo o seu melhor interesse deve se sobrepor a qualquer outro, e a tutela deste interesse deve partir do Juízo que mais perto dele estiver, pois se presume que este Juízo é quem tem a melhor condição de zelar por aquele interesse, e é este o sentido do princípio do Juízo Imediato, conforme lição de 'JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, em ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - Comentário, editora RT, pág. 442':
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Estabelecida a regularidade da competência deste Juízo para apreciar o pedido de antecipação de tutela, certo é que diante dos depoimentos colhidos em audiência especial, estão evidentes os requisitos para a concessão da medida liminar.
Isso porque verossímil a afirmação de que a visitação do pai é justificadamente temida elos menores. No que diz respeito ao perigo de demora para a adoção da medida que atende aos interesses dos menores, se justifica na medida em que se protelado o exercício da jurisdição, danos irreparáveis poderão ser causados à integridade psíquica, e quem sabe, física deles.
Quanto ao perigo de irreversibilidade da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, tal conceito deve ser revertido em favor dos menores, que caso não tenham a proteção imediata de seus interesses podem sofrer conseqüências irreversíveis. Por fim, a medida se mostra como razoável, uma vez que adequada, necessária e proporcional ao caso que se apresenta. Não me permito aqui considerar qualquer entrave instrumental que possa dificultar a concessão de uma medida, que vem em proteção a um direito fundamental, garantido constitucionalmente a todos os cidadãos pela Constituição da República Federativa do Brasil, quando mais quando em voga o interesse de menores, respaldado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que também tem peso constitucional como garantia fundamental, e que destaca o direito destes em face do restante da sociedade.
Posto isso, usando o instrumento de hermenêutica constitucional da razoabilidade, não há argumento que faça prevalecer uma norma instrumental que possa garantir uma relativa segurança jurídica diante de direito material de destacada gravidade, como o que ora é tutelado.
Por todo o exposto defiro a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a suspensão da visitação do genitor, até que os menores tenham gradativo preparo psicológico para com ele conviver. Determino que o presente procedimento seja sigiloso em proteção aos interesses em tela, devendo serem suprimido os dados processuais e das partes que possam ser acessados pelo sistema." (sublinhei) .Contudo, em oposição a tais argumentos, o Juízo suscitado, em 19.12.2007, nos embargos de declaração à sentença de improcedência da ação revisional de cláusula proposta pela mãe, assim decidiu (fls. 110/112):"Trata-se de embargos de declaração apresentados pela autora em razão da sentença de fls. 637/643. Afirma que a sentença é omissa porque não tratou 'expressamente sobre o desligamento da requerente e de sua prole do referido Programa Federal de Assistência a Vítimas Ameaçadas'. Aduz que a sentença e contraditória porque determinou ao Provita que entregasse as crianças ao pai, embora não tenha tratado da exclusão.
Trata da 'insuficiência de recursos' da autora e considera elevado o valor dos honorários do advogado, fixados em razão da sucumbência.
Decido.
Este juízo nada tem que decidir quanto ao desligamento da autora do Programa Federal de Assistência a Vítimas Ameaçadas porque tal questão não é objeto da lide. O desligamento, ou não, depende do PROVITA: é providência administrativa e não judicial. Aliás, o programa não é parte no processo e somente se determinou que a entrega das crianças fosse feita pelo programa porque este juízo não tinha como intimar a autora. O programa comunicou nos autos que a intimação da autora deveria ser feita através da sua diretora, o que foi feito. Assim, não há omissão ou contradição na sentença.
Quanto ao valor dos honorários, cabe à autora questioná-lo na instância superior. Registro com lamento que o recurso de embargos de declaração, no caso vertente, não passa de manobra protelatória. Apenas não fixo a multa prevista no parágrafo único do artigo 538 do CPC porque o valor seria irrisório.
Quanto à petição de fl. 666, este juízo deixa de se manifestar porque já encerrada a prestação jurisdicional neste processo. Vale salientar - em razão dos argumentos constantes dos embargos de declaração e também em razão do conteúdo da petição de f. 666 - que a causa de pedir do processo é o fato de que o pai (requerido) teria abusado sexualmente da filha e praticado contra os filhos lesão corporal. O pedido é no sentido de que o pai deixasse de conviver com os filhos em razão da conduta dele.
O pedido formulado na inicial foi julgado improcedente, nos termos do artigo 269, I do CPC. Conseqüentemente restabeleceu-se o status quo anterior ao deste processo, ou seja, prevalece o acordo quanto à guarda materna e convivência paterna formulado pelos genitores no processo de conversão de separação em divórcio, já que a antecipação dos efeitos da tutela prevalecia apenas até a audiência de instrução e julgamento, conforme decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
Neste processo determinou-se a busca e apreensão dos menores apenas porque a autora, inicialmente, se negou a cumprir a sentença que havia resultado na ineficácia da antecipação dos efeitos da tutela. Assim, outras questões não podem ser tratadas neste processo, sob pena de se incidir em julgamento extra petita.
Considerando as partes, a causa de pedir e o pedido deste processo, e lendo a decisão proferida pelo MM juiz da Comarca de Paraíba do Sul-RJ, fls. 672/676, reputo salutar o encaminhamento de cópias aquele juízo para que verifique a possível ocorrência de litispendência. Acrescento de desde o início deste processo, o pai somente teve contato com os filhos na presença das peritas.
Registro ainda que se encontra em andamento perante este juízo a ação de execução de sentença proposta por M. A. R. contra G. T. C., protocolada em 09.08.06, cujos autos estão apensos a estes, e que estava suspensa aguardando julgamento deste processo para evitar decisões conflitantes.
Assim, determino a remessa de cópia da inicial do referido processo e desta decisão ao MM. Juiz de Paraíba do Sul-RJ, excelentíssimo senhor doutro Eduardo Buzzinari Ribeiro de Sá, a fim de que tome as medidas legais cabíveis.
Por todo o exposto, deixo de dar provimento ao recurso de embargos de declaração." (sublinhei) Elucidam toda a questão as razões apresentadas pela Julgadora de Goiás quando do deferimento de tutela em favor do pai, na ação de obtenção de guarda, e que justificam a permanência da lide na capital goiana (fls. 127/141):
"1. RELATÓRIO:
Trata-se de 'ação de modificação de cláusula contratual para obtenção de guarda, posse e responsabilidade dos menores impúberes de M. T. C. R. e P. C. R., com pedido de antecipação de tutela, cumulada com suspensão de alimentos e regulamentação de visitas acompanhadas e/ou vigiadas' proposta por M. A. R.,qualificado, em face de G. T. C., também devidamente qualificada.
Narra a inicial que as partes foram casadas e da união nasceram os filhos M. T. C. R., nascida em 12/10/2000, e P. T. C. R., nascido em 05/10/2002. Quando da extinção do vinculo matrimonial havido entre as partes, acordaram que a guarda dos filhos ficaria com a mãe. O pai poderia ter a companhia dos filhos em finais de semanas alternados; na primeira quinzena dos períodos de férias escolares de janeiro e julho; no ano novo e dia dos pais; e livremente, nas oportunidades que o pai estiver nesta Capital, o que poderá ser feito mediante aviso prévio de 24 horas.
Alega que as visitas nunca se efetivaram na forma acordada, pois a requerida (genitora) fazia todo o possível para dificultar ou impedir o convívio do pai com os filhos, tanto que o autor (pai) ingressou com ação de execução de sentença (200602330887), visando o cumprimento do acordo que lhe permitia conviver com os filhos.
Com o objetivo de afastar os filhos do autor, a requerida ingressou com ação de modificação de cláusula contratual (Protocolo 200602360778), no qual pediu que fossem suspensas as visitas do pai ou que elas ocorressem apenas de forma vigiada. No curso do processo, a autora se incluiu, juntamente com os filhos, no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, alegando que o autor era pessoa perigosa e danosa para os filhos. Por força da decisão do Egrégio Tribunal de Justiça, concedida no referido processo, e porque a autora e os filhos estavam em local sigiloso em razão do programa de proteção, o autor deixou de ver ou ter qualquer contato com os filhos.
Ainda no processo já mencionado, foram feitas perícias judiciais, tendo elas concluído que o autor não representava nenhum risco aos filhos e que a requerida havia implantado falsas memórias nos filhos, visando a prejudicar o autor em razão de não aceitar o fim do casamento.
Em razão de a conduta da requerida ser prejudicial aos filhos, pede, liminarmente, a alteração da cláusula a fim de que a guarda dos filhos seja deferida ao autor, passando a requerida a conviver com os filhos apenas de forma vigiada, suspendendo a obrigação de o autor pagar alimentos aos filhos.
A inicial está acompanhada de documentos, fls. 12/260. O autor juntou petição, fls. 264, para informar que a genitora continua impossibilitando o convívio paterno, tanto que o acordo referente à visitação paterna não está sendo cumprido, mesmo depois de julgado o processo de autos 200602360778 em 30. 11.07.
2. FUNDAMENTAÇÃO:
Apensos a estes autos estão os autos do processo de execução de sentença (Protocolo n.° 200602330887), protocolado em 09.08.96, no qual o ora autor (M. A. R.) busca o cumprimento do acordo referente a seu direito de visitas. Também estão apensos os autos de n.° 200602360778, no qual a requerida (genitora) pleiteava a suspensão de qualquer contato do pai com os filhos, alegando que ele havia praticado contra os próprios filhos abuso sexual e agressão física.
No referido processo, concedi em parte a antecipação dos efeitos da tutela, a fim de que o acompanhamento paterno passasse a ocorrer de forma vigiada, ante as denúncias gravíssimas apresentadas pela genitora. Houve recurso contra a decisão, e o egrégio Tribunal de Justiça, em sede de agravo de instrumento, concedeu liminar a fim de afastar qualquer contato do pai com os filhos até que se concluísse pela ausência de risco para os menores.
No curso do processo, foram nomeadas peritas (duas Psicólogas e uma Psiquiatra) para avaliar os pais e os filhos, tendo todas as peritas (e até o assistente técnico da genitora) concluído pela ausência de risco por parte do pai. Concluíram também se tratar de evidente caso de Síndrome de Alienação Parental, patologia na qual um dos genitores (neste caso, a mãe) insere falsas memórias nos filhos, visando, quase sempre, prejudicar o ex-companheiro.
Concluída audiência de instrução e julgamento, proferi sentença, em 30.11.07, decidindo pela improcedência do pedido e retornando ao status quo, ou seja, à aplicação do acordo referente à guarda e acompanhamento paterno. Inicialmente, a genitora se negou a permitir o acesso do pai aos filhos e então foi expedida carta precatória de busca e apreensão dos menores, a fim de que o pai pudesse exercer o convívio com os filhos, como estabelecido no acordo homologado. A fim de acompanhar o processo de reaproximação dos filhos, indiquei a Psicóloga, Dra. Márcia Christovam S. Rocha - que havia atuado como assistente do pai desde a primeira perícia judicial - e o fiz por sugestão do próprio assistente técnico da genitora.
Após a busca e apreensão dos menores, a genitora e os filhos foram desligados do PROVITA (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas), conforme documento, cuja cópia está às fls. 258/260. Também após a prolação da sentença por este Juízo, a genitora ingressou com ação junto ao Juízo da Comarca de paraíba do Sul-RJ, local onde estava por força do PROVITA, visando, segundo cópia da decisão constante de fis. 250/254 'a suspensão das visitas do genitor, até que seja providenciado o devido preparo psicológico dos menores e eventual restabelecimento do CONVÍVIO com aquele'. Foi concedida a antecipação dos efeitos da tutela.
Não obstante referida antecipação dos efeitos da tutela, os filhos vieram para Goiânia e passaram alguns dias com o pai, mediante acompanhamento da psicóloga indicada por esta juíza. Conforme cópia da petição de fls. 265, a genitora informou a este Juízo, em 27.12.07, que resolveu fixar residência em Paraíba do Sul-RJ, onde estava a cargo do PROVITA.
Agora, neste autos, pretende o genitor a guarda dos filhos, ao argumento de que a mãe não tem condições psicológicas de continuar com a guarda. Fundamenta seu pedido, sobretudo, em todos as falsas denúncias que a mãe fez contra o pai no processo já mencionado e em outros procedimentos. Primeiramente, reputo fundamental a narrativa acerca de tudo que envolveu as partes desde a propositura do processo por parte da genitora, visando afastar o pai dos filhos, por isso o fiz, ainda que pareça exaustivo.
Antes de analisar o pedido de antecipação de tutela, também considero necessário tratar da questão da competência, ante a notícia de que a mãe fixou endereço residencial em Paraíba do Sul-RJ. Registro que a genitora postulou transferência do título eleitoral para referida Cidade e que o título foi emitido em 27.12.07 , conforme fl. 689 dos autos 200602360770, ou seja, no dia seguinte à propositura desta ação.
Quando se iniciou o processo proposto pela autora, em 11.08.2006, ela morava em Goiânia, tanto que aqui ingressou com a ação. No curso do processo, foi inserida no programa de proteção à vítima e testemunha e, em razão disto, passou a morar em local sigiloso, cujo endereço não era conhecido nem por este Juízo. Suas intimações eram feitas por intermédio do responsável pelo Programa. Julgado o processo em primeira instância, e desligada do programa, a genitora informa que continuará a viver no local onde estava, antes sigilosamente, e ingressa com processo naquela localidade.
A conexão do processo ora analisado com o processo de autos nº 200602360770, que aguarda prazo para apelação, é inquestionável. A causa de pedir deste processo é, principalmente, o fato de a mãe tentar a todo custo impedir o convívio paterno, como se apurou nos autos 200602360770, tanto que seria impossível o julgamento do presente pedido sem o relatório acima para situar o grave problema no qual os filhos estão inseridos. Imprescindível, então, a análise do artigo 147, 1 do ECA e do artigo 87 do CPC, a fim de verificar qual dos dois dispositivos terá aplicação ao caso vertente. Se
entendermos pela aplicação do artigo 147, 1 do ECA, teríamos que remeter o processo à Comarca de Paraíba do Sul-RJ. Concluindo pela aplicação do artigo 87 do CPC, este Juízo é competente para continuar analisando a questão da guarda e visita dos menores, mesmo diante da pretensão da mãe de morar em Paraíba do SuI-RJ.
Ao receber o pedido ora analisado, fiz ampla consulta na jurisprudência do STJ e encontrei dois precedentes que se ajustam adequadamente à hipótese em questão. Trata-se dos Conflitos de Competências autuados sob os números CC 35.761/SP e CC 29.683/SP.
Em ambos, aquela Corte entendeu que prevaleceria a regra do artigo 87 do CPC. Em todos os julgados a respeito do tema, o STJ busca preservar ao máximo o interesse do menor. Somente encontrei um julgado no qual a competência foi deslocada em razão da mudança da genitora. Tratava-se de uma situação em que o próprio Judiciário havia autorizado a mudança da mãe no curso do processo e o fazia com o fim de beneficiar o menor envolvido. A mesma consulta pode ser feita no site do STJ.
No presente caso, a situação é inversa, pois a genitora somente ingressou com petição informando sua mudança de endereço depois do protocolo do pedido ora analisado. Ademais, evidente que a mudança de endereço deve estar diretamente relacionada ao desejo da mãe em afastar os filhos do pai. A autora não mede esforços para realizar tal vontade, tanto que: a) ingressou com o processo para afastar os filhos do pai (autos 200602360770); b) fez denúncias contra o pai junto ao Ministério Público; c) pediu sua inserção no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas; d) apresentou queixa crime contra o pai, na qual afirma que o pai teria abusado sexualmente dos filhos, transcrevendo relatos da maior gravidade como a de que o pai teria espancado os filhos e introduzido 'objetos na vagina e ânus (do tipo pau e prego) inclusive com sangramento local' (fl. 61 dos autos 200602360778; e) ingressou com ação no Juízo de Paraíba do Sul para impedir o contado do pai com os filhos, mesmo depois da sentença deste Juízo, etc.
Não é dificil concluir que a autora pretende se mudar de Estado para impossibilitar o convívio dos filhos com o pai, o que, por si só, contraria o princípio do melhor interesse das crianças: 'Com, a separação, divórcio ou dissolução da união estável, é interessante manter, tanto quanto possível, um ambiente semelhante ao qual a criança estava habituado. Assim, a permanência da criança na mesma residência e na / mesma escola é sempre recomendável.' Por tudo isto, e considerando o teor das diversas decisões do Egrégio Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, reputo necessária a aplicação do artigo 87 do CPC, visando resguardar o interesse dos menores. Outro entendimento implica contribuir para dificultar o retorno das crianças vítimas da alienação parental ao genitor acusado e até mesmo aos outros familiares que estão em Goiânia. Vale lembrar que os avós maternos, residentes em Goiânia, representam importante rede de apoio aos filhos, o que é facilmente extraído da fala das crianças.
Não se pode deixar de considerar que, diante das denúncias gravíssimas que a mãe faz contra o pai, a providência imediata de qualquer profissional ciente de suas obrigações é, realmente, afastar o pai do convívio com os filhos: assim eu própria o fiz em 2006, como também o fez, ainda com mais rigor que esta juíza, o e. Tribunal de Justiça de Goiás. Agiu igualmente o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, e mais recentemente o MM. Juiz de Paraíba do Sul-RJ adotou providência no mesmo sentido. Não se pode deixar de considerar, como bem ponderou a última perita, que até mesmo os profissionais da área de Psicologia não estão, muitas vezes, preparados para perceber de imediato que se trata de síndrome de alienação parental, e também eles acabam se tornando coadjuvantes da mãe no triste processo. Outrossim, a mudança de foro, depois de feita toda a instrução processual neste Juízo, somente fomenta a ação alienante da mãe.
Também estou segura que este entendimento é o que melhor se coaduna à nossa Constituição da República, que consagrou o princípio do melhor interesse da criança de maneira mais ampla ao adotar a Doutrina da Proteção Integral. Dispõe o art. 227 da CF: 'é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e, ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Superada a questão concernente à competência, passo agora a apreciar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, formulado pelo autor. Para tanto, verifico a presença dos requisitos do artigo 273 do CPC. Quando tomei conhecimento dos fatos narrados pela genitora, nos autos 200602360778, logo concluí: um dos genitores (pai ou mãe) sofria de grave patologia. Poderia ser o pai, que abusava sexualmente e agredia os filhos; mas poderia ser a mãe, num típico caso de síndrome de alienação parental. Uma coisa era certa: direitos básicos da criança previstos no artigo 227 da CF estavam sendo desrespeitados.
Também não tive dúvidas de que somente profissionais da área da psiquiatria e da psicologia poderiam chegar a uma conclusão segura. Obviamente, este Juízo não poderia fazê-lo ouvindo os menores -principalmente diante da hipótese da implantação de falsas memórias -como o próprio nome já sugere. Busquei me informar sobre os melhores profissionais para a análise dos envolvidos. Para tanto, nomeei a Drª. VALERIA MACHADO AVILLA, Psiquiatra Clínica, com especialidade em Psiquiatria forense, integrante da Junta Médica do Tribunal de Justiça há mais de dez anos, além de ser membro fundador do Comitê de Ética e Medicina Legal da Associação Brasileira de Psiquiatria, professora convidada da Escola Superior do Ministério Público de Goiás, professora convidada da banca para título de especialista em Psiquiatria Forense da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Para realizar os trabalhos na área do comportamento humano, nomeei a Drª. VANNUZIA LEAL ANDRADE PERES, Psicóloga, Especialista em Psicodrama de Crianças, Especialista em Terapia de Casais e Família, Doutora em Psicologia do Desenvolvimento e Professora Pesquisadora da Universidade Católica de Goiás.
Veja o que essas profissionais constataram. Primeiro o laudo elaborado pela Psicóloga, Dra. Vannuzia Leal Andrade Peres, cuja cópia foi juntada às fls. 78/92: 'Os sentidos subjetivos de afetividade, gerados por M. e P. são claramente incompatíveis com a acusação de abuso dirigida ao pai; O centro da questão é a separação conflituosa do casal na qual M. e P. estão sendo implicados, especialmente pela mãe, de forma equivocada e irresponsável, o que poderá acarretar conseqüências irreparáveis ao desenvolvimento emocional de ambos; A ruptura do casal pode ser considerada um processo de subjetivação patológica de sua relação conflituosa ao longo do casamento, portanto impossível de ser compreendida e compartilhada emocionalmente pelas crianças; Há indicadores de que a organização disfuncional do ex-sistema conjugal deveu-se a configurações de personalidade tanto do pai (sua impulsividade,) quanto da mãe (sua insegurança afetiva e necessidade social de reconhecimento), não podendo ser atribuída a um ou a outro, mas a ambos; O fato da mãe não possuir outro espaço social constituído (um trabalho realizador, por exemplo,) é hoje fonte de seus atuais conflitos que dificultam sua produção de emoções alternativas e de novos sentidos subjetivos da separação. Somente com sua conversão em sujeito da experiência poderá gerar novos sentidos da separação e produzir ações saudáveis e benéficas para os filhos e para ela própria, o que implica na sua disposição e compromisso com um processo de reflexão; Há fortes e significativos indicadores de que a percepção que M. e P. têm do pai (um pai 'mau') advém da representação constituída pela mãe, e não de suas experiências concretas com ele; E com base nessa representação da mãe sobre o pai que M. vem produzindo, constantemente, uma realidade sobre ele que é não apenas uma produção cognitiva, mas uma produção subjetiva, tendo, portanto, elementos de sua imaginação ou de sua fantasia; Também há fortes indicadores de que a queixa contra o pai é uma expressão subjetiva da vida conflituosa dos ex-cônjuges, já que aparece no contexto do conflito (mesmo já estando separados) e em uma cultura que não dá a devida importância à convivência pacífica dos pais para que alcancem realizar sua tarefa de educação dos filhos: Há indicadores, ainda, de que a acusação do pai como agressor pode estar implicada com as novas práticas da sociedade nos processos de separação dos casais ou com a uma nova patologia social com a qual ex-cônjuges tentam justificar reivindicações baseadas em suas necessidades e motivações particulares'.Por sua vez, o laudo elaborado pela Psiquiatra, Dra. Valéria Machado Ávilla, cópia às fls. 93/104, em sua parte conclusiva, dispôs que: 'Não há evidências psíquicas de ABUSO SEXUAL por parte do genitor das crianças. Há evidências de ALIENAÇÃO PARENTAL por parte da genitora.' Mesmo diante destes laudos, a mãe insistia em outra perícia. Em audiência, depois de homologados os citados laudos e decorrido o prazo para agravo contra a decisão, possibilitei às partes a realização de mais uma perícia, já que a genitora achava tão importante a realização de testes, principalmente o 'RORSCHACH'. O genitor aceitou e foi feita a terceira perícia, na qual foram realizados os testes pretendidos pela genitora.
Para realizar a perícia, nomeei a Dra. Ângela D. Baiocchi Vasconcelos, Psicóloga renomada, Professora e Pesquisadora na UCG – Universidade Católica de Goiás, Especialista em Psicodrama e Terapia Familiar Sistêmica, Mestre em Educação, Psicóloga Supervisora do GEAGO – Grupo de Apoio à Adoção de Goiás e Projeto Anjo da Guarda do Juizado de Menores. Ela concluiu, cópia às fls. 156/158: 'Não. A partir dos dados colhidos nesta perícia não se constata nenhum tipo de abuso sexual ou maus tratos contra os filhos por parte do pai. [...] Sim.
De acordo com a avaliação e análise do caso aqui exposto houve Síndrome de Alienação Parental (SAP). De forma considerada grave e com conseqüências já manifestada por M. e P.'Vivenciamos um momento em que os principais estudiosos do Direito de Família fazem uma verdadeira campanha pela guarda compartilhada, a fim de que a criança conviva o máximo possível com ambos os genitores. O tema foi tratado com insistência no V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Há projetos tramitando no Congresso Nacional no sentido de que a regra passe a ser a guarda compartilhada e não a unilateral. Veja ensinamento doutrinário neste sentido: 'Tanto o pai quanto a mãe, querendo e podendo, devem estar presentes no processo de formação do filho, e estão em igualdade de condições para exercerem esse munus, notadamente frente aos comandos constitucionais de igualdade previstos no art. 5°, inciso 1 e art. 226, § 5º'. Entretanto, no caso vertente, o que se constata é uma campanha sem limites por parte da mãe para impedir os filhos de conviverem com o pai. Importante observar o que ocorreu na 'Audiência Especial' feita perante o Juízo da 2ª Vara da Comarca de Paraíba do Sul-RJ no dia 06.12.07 , ou seja, dias depois de julgado em primeira instância o processo que tramitava perante este Juízo, o que ocorreu em 30.11.07. Na referida audiência, as crianças teriam narrado ao Juiz atos de agressões físicas contra eles e abuso sexual contra Marina. Consta do termo da 'Audiência Especial', cuja cópia foi juntada aos autos por intermédio do PROVITA, fl. 255 '...que a menor M. relata com dificuldade o fato de que seu pai já ter mexido [sic] em partes que aponta o dedo indicador, como sendo seu órgão genital'. O que se conclui facilmente é que a mãe continua, nos dias atuais, inserindo nas crianças a crença de que o pai é mau (agressivo e praticante de abuso sexual) e que os filhos não podem com ele conviver.
Sobre a situação verificada no texto acima transcrito, copiado do termo de 'Audiência Especial', no qual a criança aponta para o Juiz seu órgão genital, já havia manifestado a perita, fl. 136: 'Não é a nudez da criança que chama atenção desta perícia, mas sim a super-exposição da criança em ambientes públicos, o uso inescrupuloso de próprio corpo para fazer denúncias de situações não vividas com seu progenitor e impossíveis de serem reais.' Em outras palavras, o objetivo da mãe em prejudicar o pai faz com que ela exponha sem limite os filhos, levando a menina a uma sala de audiência para agir como fez no excerto suso transcrito. Vale lembrar aqui quantos direitos das crianças estão sendo desrespeitados pela manipulação que a genitora vem fazendo nos filhos e pelas outras condutas já registradas no texto desta decisão: 'Toda criança ou adolescente tem o direito à convivência familiar (art. 19 ECA), à liberdade, ao respeito, à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais, garantidos na Constituição e nas leis (art. 15 do ECA), assim como liberdade de opinião e expressão, participação na vida familiar e comunitária (art. 16 do ECA), além de inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças (art. 17 do ECA), sendo dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente (art. 18 do ECA)'.
Também faz parte do texto da perita, fls. 152: 'Neste aspecto G. não percebe que a criança depois de ser obrigada a denunciar o pai em diferentes instâncias durante 06 meses. Apresentando graves sinais de ansiedade e estresse que não foram olhados por sua mãe que se dizia vítima de perseguição e ameaças, vai desenvolver medo e culpa pelo que causou no pai. Vai querer negar seu amor para não prejudicar a mãe. Mas em compensação vai desenvolver distúrbios psíquicos graves para realizar este esforço para a mãe.' Grifo no original.
As conseqüências da síndrome da alienação parental são extremamente graves para os filhos. O tema já foi objeto de artigos e palestras ministrados pela Exma. Desembargadora do Rio Grande do Sul, Mana Berenice Dias. Também foi abordado com maestria pelo advogado Paulo Lins e Silva (RJ) na palestra intitulada 'Síndrome da alienação parental e a aplicação da convenção de Haia' durante o VI Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado em novembro/07, em Belo Horizonte.Naquela oportunidade afirmou: 'A chamada Síndrome de Alienação Parental é uma das mais extremas conseqüências da litigiosidade advinda da dificuldade de distinção, por muitos, dos papéis da conjugalidade da parentalidade. Tal síndrome, na qual o guardião afasta não apenas a convivência da criança com o outro genitor, mas também qualquer chance da conexão emocional do menor com esse, é exacerbada e facilitada nos casos de seqüestro internacional de crianças. A retirada unilateral por um dos pais do Estado onde se constituiu a família implica em um afastamento físico entre a criança e o outro guardião, tornando os efeitos da abdução quase irreversíveis.' Grifos meramente enfáticos.
Pelo que se verifica, a genitora vai continuar empregando todos os mecanismos para afastar os filhos do pai, pois conforme se vê na petição de fls. 264, a genitora não permitiu o convívio das crianças com o pai nas datas festivas e nem nas férias, como dispõe o acordo em vigência, desrespeitando os limites do poder familiar: 'A existência de limites configura o poder familiar não apenas como um poder (assim como era o pátrio poder), mas também como um dever dos pais.' Consta do relatório elaborado pela Psicóloga que acompanhou o reencontro do pai com os filhos, nesta cidade, no dia 14 de dezembro de 2007: 'O Dr. Alexandre {Responsável pelo Programa de Proteção à Vítimas e Testemunhas} que os conduziu {M. e P.} relatou uma viagem tranqüila, onde as crianças brincavam, conversavam livremente chegando até a fazer planos sobre o fariam quando reencontrassem o pai.
Tal relato se confirmou pela postura que presenciei e relatei em parte no parágrafo anterior. Assim, percebe-se que as crianças ainda mantém um discurso preparado do que deveriam falar ou fazer para demonstrar rejeição ao pai, entretanto a fala do corpo e da expressão facial, que não podem ser manipuladas, denunciam o desejo de estar com este pai e restabelecer com ele o contato, fala esta que até se torna verbal quando não há a censura delimitada pela mãe. (fl. 22)'. As fotos juntadas aos autos, fls. 30/52, tiradas, segundo afirma o autor, no período de 21 a 23 de dezembro de 2007, não deixam dúvidas quanto à felicidade estampada nos rostos dos filhos na presença do pai e sem o controle da mãe. A alegria deles é contagiante. Por outro lado, ficou evidenciado que a genitora continuará utilizando todos os recursos para afastar os filhos do pai, prejudicando-os sobremaneira.
Somente através da concessão da guarda ao pai, as crianças poderão ficar livres da constante manipulação materna, que traz para os filhos transtornos psíquicos de extrema gravidade. Vale lembrar que as ações da mãe já causaram aos filhos vários distúrbios de ordem emocional, o que foi constatado por todos profissionais que os examinaram.
No que tange ao pai - não obstante tantas denúncias feitas pela mãe - nada se apurou que desabonasse sua conduta. Pelo contrário, as provas trazidas aos autos revelam um profissional respeitado na Comarca onde atual, sem qualquer mácula. Até mesmo o assistente técnico indicado pela genitora - um dos profissionais mais respeitados deste Estado naquele ramo de atuação - concluiu pela inocorrência dos fatos imputados ao pai pela genitora.
Saliento que o pai é Promotor de Justiça na Comarca de Ceres - GO e afirma que também mantém apartamento em Goiânia-GO, detendo total condição física, emocional e material para exercer o papel de guardião dos filhos, assegurando a eles o ambiente saudável e compatível com as necessidades do ser em desenvolvimento: 'Á convivência familiar apenas é possível em ambiente solidário, expressado na afetividade e no co-responsabilidade.' Por tudo isso, entendo que a alteração da guarda é medida que se impõe como forma de salvaguardar as crianças da prática manipuladora da mãe.
Somente num primeiro momento, considero que a convivência com a mãe deve dar-se acompanhada, visando evitar que ela dificulte o relacionamento com o pai. Entendo que o acompanhamento pode ser feito pelos próprios avós maternos, que por certo não iriam restringir a vivência da mãe com os filhos e também evitariam que ela continuasse manipulando os filhos contra o pai. E possível perceber que os avós maternos são figuras importantes para M. e P. e é importante utilizar isso como componente da rede de apoio para uma nova fase na vida dos filhos.
Considero que a convivência com a mãe deve ser a mais ampla possível, a fim de evitar danos para os menores, afinal, durante muito tempo as crianças foram convencidas de que a mãe afastava o pai para beneficiá-las. Por certo, a dependência emocional materna é muito grande e isto não pode ser desconsiderado neste momento.
3. DISPOSITIVO:
Posto isso, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para conceder a guarda de M. T. C. R. e P. T. C. R. ao pai M. A. R.
A mãe (requerida) poderá conviver com os filhos nos finais de semana (pegando-os aos sábados às 09 horas e devolvendo-os às 18 horas aos domingos). Entretanto, reservo ao pai dois (02) domingos por mês para lazer. Durante os três primeiros meses, a convivência materna deve ser acompanhada dos avós maternos, a fim de garantir que a genitora não continue implantando falsas memórias nos filhos.
Encaminhe oficio ao Procurador Geral da Justiça do Estado de Goiás para que suspenda o desconto da pensão alimentícia na folha de pagamento do autor, por ser medida conseqüencial da alteração da guarda.
Determino ao pai que siga rigorosamente as recomendações de todos os psicólogos que atuaram no processo anterior, no sentido de manter acompanhamento terapêutico aos filhos, a fim de proporcionar às crianças, sobretudo à M., o restabelecimento da saúde emocional o mais rápido possível. Considerando que a decisão proferida pelo Juízo de Paraíba do Sul -RJ em 06.12.07 diverge da sentença de mérito proferida por este Juízo em 30.11.07, e também não coaduna com esta decisão, determino o encaminhamento de cópia desta àquele Juízo para que suscite - caso assim entenda - o conflito de competência perante o órgão próprio.
Intimem-se. Cite-se, podendo ser expedida carta precatória de busca e apreensão dos menores, a fim de que os fi1hos sejam entregues ao pai, se necessário for." (alguns trechos negritados e sublinhados pelo relator)
Destarte, a despeito de inexistir controvérsia antes do deferimento da tutela pelo Juízo da 3ª Vara de Goiânia que a guarda é exercida pela mãe (fl. 111), a solução, na espécie, não pode levar em consideração o art. 147, I, do ECA, que estabelece a competência absoluta do foro de residência dos menores para a ação, desde que seja originária.
É que transparece com clareza, pelos aprofundados estudos do caso realizados na Comarca de Goiânia, que G. T. C. procura deslocar artificialmente o foro para obter decisão favorável às suas pretensões.
A questão, assim, diversamente do comumente enfrentado em diversos precedentes, amolda-se a julgados desta e. 2ª Seção que aplicam a regra do art. 87 do CPC, a partir do ajuizamento da ação primeira, no caso a separação de corpos e guarda provisória, ajuizada em 25.02.2003 (fl. 58), época em que todos os membros da família residiam em Goiânia, para evitar que haja manipulação do foro com sucessivas mudanças daquele que exerce a guarda. Confira-se:
"Conflito de competência. Art. 147, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
1. Presentes as circunstâncias dos autos, determina-se a competência para processar e julgar ações que têm por objeto a menor o foro do domicílio de quem detém a guarda, nos termos do art. 147, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente, não relevando, no caso, a mudança de domicílio da mãe, detentora da guarda.
2. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça do Distrito Federal." (CC n. 79.095/DF, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, unânime, DJU de 11.06.2007) "CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS. MUDANÇA DE DOMICÍLIO NO DECORRER DA LIDE. 1. A mudança de domicílio do menor e de seu representante legal depois de configurada a relação processual não modifica a competência firmada no momento em que a ação é proposta. Depois de fixada aquela, as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas são irrelevantes, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.
2. Conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da Comarca de Jaciara/MT, o suscitado." (CC n. 45.794/RO, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 21.03.2005)
Ante o exposto, conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia, GO, o suscitado, e anular as decisões proferidas pelo Juízo suscitante.
É como voto.
Superior Tribunal de Justiça - SEGUNDA SEÇÃO - Número Registro: 2008/0060262-5 CC 94723 / RJ -Números Origem: 20070400021058 200705184158 20080400004660 EM MESA JULGADO: 24/09/2008 - SEGREDO DE JUSTIÇA,Relator Exmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR Presidenta da Sessão Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI, Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS, Secretária Bela. HELENA MARIA ANTUNES DE OLIVEIRA E SILVA, AUTOR : M T DA C R E OUTRO, REPR. POR : G T DA C R, ADVOGADO : PEDRO SÉRGIO DOS SANTOS E OUTRO(S), RÉU : M A R, ADVOGADO : GILDO FAUSTINO DA SILVA NASCIMENTO E OUTRO(S), SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DE PARAÍBA DO SUL – RJ , SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA 3A VARA DE FAMÍLIA SUCESSÕES E CÍVEL DE GOIÂNIA – GO, ASSUNTO: Civil - Família - Menor - Guarda
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Terezinha Araujo Fleury
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